A literatura não é só uma decisão, mas uma necessidade. Não tive escolha. Se eu não escrevesse minha vida ficaria inviável. Resolvo todos meus conflitos pela escrita.

Eliane Brum

[Escrita criativa – Os segredos de escritores e professores de Redação Criativa para a realização de um bom texto. Por Alceu Luís Castilho. Revista Língua portuguesa. São Paulo: Editora Segmento, Ano 6, Nº 70, agosto de 2011, p. 42-47.]

Vez por outra me ocorre pensar nos motivos que me levam a escrever. Ler um texto publicado na revista Língua portuguesa pela escritora Eliane Brum me fez, mais uma vez, refletir sobre a questão. Senti uma grande identificação com as palavras com que ela conclui o texto.

Primeiro ela afirma que, no seu caso, escrever não é uma questão de escolha, mas de necessidade.

Nesse aspecto, posso dizer o mesmo. Eu não consigo passar muitos dias sem escrever. De dois anos para cá tenho recorrido ao blog para isso. Antes do blog, porém, eu já escrevia com muita frequência, o que me fez acumular já mais de vinte volumes de um Diário que ainda mantenho. Na verdade, guardo o primeiro volume com muito cuidado, pois é para mim um objeto de valor muito precioso. Está datado de 1976, ano em que iniciei o hábito de registrar num diário as minhas inquietações existenciais. Eu tinha, portanto, apenas 15 anos.

Um segundo aspecto do texto de Eliane Brum que me fez pensar foi o fato dela dizer que pela escrita resolve todos os seus conflitos. A propósito, recordo que Freud afirmou certa vez que os escritores podem prescindir da psicanálise, pois a escrita faz para eles as vezes de divã e psicanalista. Freudianamente falando, portanto, Eliane Brum está absolutamente certa.

Quanto a isso, eu também já havia pensado nestes termos. Quantas vezes tenho visto questões minhas serem esclarecidas enquanto eu escrevia um texto. Não é que eu deliberadamente me tenha posto a escrever objetivando solucionar um conflito. Não, de maneira alguma. Inclusive, em diversas situações somente depois, bem depois de publicado o texto, foi que pude perceber, como num insight, que sem que premeditadamente o planejasse, todo o conflito por que eu estava passando aparecera de forma às vezes velada, às vezes explícita, no texto. Nesse sentido, escrever proporciona uma espécie de catarse.

Mas não é só isso, embora atribuir à escrita o poder de proporcionar a catarse não seja pouca coisa. O fato é que, além desse aspecto, o texto proporciona também maravilhosos insights e intuições às quais eu, de outra forma, talvez jamais tivesse acesso.

Muitas vezes quando escrevo – e isso não acontece somente comigo, pois já ouvi o mesmo da boca de outros escritores – parece que um outro que não eu se apossa de mim e fala. Quando isso acontece, não faço qualquer esforço deliberado para tolher a liberdade e espontaneidade deste outro que fala em mim.

E é maravilhoso ver o texto se fazendo quase que por magia, como se eu fosse apenas um instrumento por intermédio do qual meus dedos são levados a pressionar as teclas do computador, convertendo em palavras as ideias transpostas para a tela branca diante dos meus olhos.

Escrever é uma dádiva da qual não posso me permitir o luxo de abrir mão. É, em suma, o meu jeito mais íntimo e pessoal de ser no mundo.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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