Oh! Meu Deus! Quão insignificante é aquilo que fazemos! Coloquemo-lo, pois, nas mãos de Maria através dessa devoção. Quando nos tivermos oferecido a Ela, em verdade, até o ponto em que seja possível entregar-se-lhe, despojando-nos de tudo para Lhe agradar, Ela tornar-se-á depois infinitamente mais generosa para conosco: por um ovo dar-nos-á uma galinha.

São Luís  Maria Grignion de Montfort

[São Luís Maria Grignion de Montfort. O Segredo de Maria. 1ª. ed. – Lorena: Cléofas, 20101, p. 53.]

Existe um mistério na devoção à Virgem Maria que transcende e ultrapassa minha limitada compreensão. Quanto mais eu leio sobre a Virgem, quanto mais adentro em minhas incursões pelos meandros da mariologia, mais me convenço da veracidade da expressão De Maria nunquam satis, pois, de fato, de Maria nunca se disse nem, suponho, se dirá o suficiente, por mais que se escreva e se fale sobre ela.

Ainda na infância me tornei devoto de Nossa Senhora. Um hábito que perdurou até quase o início da minha idade adulta foi o de rezar todas as noites, antes de dormir, três  Ave Marias e oferecê-las a Nossa Senhora e a Dom Bosco. Foram duas devoções que surgiram naturalmente. No caso de Dom Bosco, a devoção teve início quando li no livro de Lúcia Monteiro Casasanta, As mais belas histórias, um relato da vida do santo. O título da história era Dom Bosco e seus bichinhos.  Quanto a Nossa Senhora, não sei exatamente identificar o que despertou em mim a devoção.

Escrevendo agora este texto, em ocorre que, de todos os santos da Igreja Católica,  Dom Bosco foi um dos maiores devotos de Nossa Senhora. Uma outra coincidência feliz: Dom Bosco era devoto de Nossa Senhora Auxiliadora e minha mãe se chama Maria Auxiliadora.

Na passagem da adolescência para a idade adulta, minha espiritualidade passou por grandes transformações. Estudei outras religiões, conheci suas práticas e ritos, me distanciei da Igreja Católica. Uma coisa, porém, nunca foi totalmente ofuscada: a devoção a Nossa Senhora. Essa se manteve, sempre, mesmo com seus altos e baixos.

Quando descobri o Magnificat – a bela oração proferida pela Virgem Maria quando do episódio da visita à sua prima Isabel -, passei a rezá-lo diariamente. De tanto repeti-lo, acabei decorando. No Budismo e no Hinduísmo é comum o neófito receber de seu mestre um mantra. No meu caso, esse mantra veio até mim naturalmente, sem que o buscasse premeditadamente. Hoje sei que o Magnificat é o meu mantra, e por nada eu o trocaria por outro. Ele me é suficiente.

Não menos importante que o Magnificat é a recitação do terço. Talvez o Magnifcat possa ser considerado um pequeno mantra, para ser repetido em diversas ocasiões ao longo do dia. O terço, por sua vez – para usar uma expressão sânscrita, comum no Budismo e no Hinduísmo -, pode ser considerado o mahamantra da Igreja Católica, ou seja, o grande mantra. Não tenho dúvida de que diferentes resultados podem ser obtidos pela recitação do terço, dependendo de como esse rito seja realizado.

Se usado como um mantra durante a meditação, a recitação do terço pode provocar intuições profundíssimas, insights maravilhosos podem vir à mente, apontando saídas e novas direções para situações de conflito e momentos de indecisão.

E aí está o grande mistério da devoção à Virgem Maria. Mudanças são operadas, fatos inusitados sucedem aos devotos, coisas aparentemente impossíveis acontecem. Nunca é demais lembrar que foi Maria a destinatária das palavras do anjo Gabriel que, ainda hoje, soam como a promessa mais extraordinária que, porventura, algum dia tenha sido feita a um mortal:

Para Deus, com efeito, nada é impossível (Lc 1, 37).

Outro dia eu lia que, para Dom Bosco, Nossa Senhora foi mais que uma devoção: foi uma experiência. Quanto a mim, posso dizer que permaneço ainda no nível da devoção, uma devoção, reconheço, tacanha e canhestra, devido à minha frágil fé. Mesmo assim, é uma devoção que eu não trocaria por nada deste mundo. Eu não conseguiria expressar em palavras o que significa para mim ser devoto de Nossa Senhora. Sei que me seria bastante difícil viver sem essa devoção.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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