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Vasco Arruda

Desapareceu-me uma página deste diário. Que dissera eu ali? Pode ser que fosse algo profundo, algo decisivo. Subitamente invade-me a inquietação de saber-me estranho a mim, daquilo que de melhor tenho em mim, e entendo a máxima estranha de Agostinho: há em nós algo mais profundo do que nós mesmos.
Constantin Noica
[Noica, Constantin. Diário filosófico. Tradução Elpídio Mário Dantas Fonseca; conferência com o texto romeno Cristina Nicoleta Manescu. São Paulo: É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda., 2011, p. 9]

Vasco Arruda

“Cumpriam-se os 21 dias. Vim para me despedir.”
Ergui os olhos, e vislumbrei, surpreso, a familiar figura de Dom Cristiano postado à minha frente. Tão absorto me encontrava na leitura do Diário Filosófico, quem nem percebera sua chegada. Ignorando minha surpresa, continuou:
“Estou me despedindo. Não mais retornarei. Não lhe sou mais necessário, Vasco”.
Suas palavras foram incisivas, claras, as frases pausadas, parece que tinham sido deliberadamente programadas.
Depois da última frase, ergueu a mão e sumiu. Fiquei atônito, sem entender bem o que acontecia. Aquela despedida abrupta me provocou sentimentos díspares e confusos, deixando-me atordoado.
Era como se tivesse levado uma grande pancada na cabeça. Senti o mundo girar. Estava tonto. Uma vertigem tomou conta de mim. Parece que eu tinha sido precipitado para fora da cadeira em que me encontrava sentado e jogado no chão. Era como se eu tivesse sido empurrado para fora de mim mesmo.
Depois, quando me senti reposiocionado na cadeira, a familiaridade do ambiente me acalmou. Senti vontade de chorar. Mas não o fiz. Não, não havia motivo para choro. Sabia que algo estava irremediavelmente perdido, mas isso não era motivo para lamentos. Na verdade, talvez fosse, isso sim, motivo para comemorar.
Mudar é preciso.