Na apresentação do livro “A história das constituições brasileiras”, que tem como sugestivo subtítulo “200 anos de luta contra o arbítrio”, seu autor, o historiador Marco Antonio Villa, afirma: “Em vários momentos da nossa história vivemos regimes ditatoriais. As liberdades democráticas vigoraram por períodos muito restritos. Na verdade, só teríamos democracia plena após a promulgação da Constituição de 1988. Portanto, ao falar de uma sociedade democrática, nosso universo temporal, infelizmente, é muito restrito” (Villa, Marco Antonio. A história das constituições brasileiras. – São Paulo: Leya, 2011, p. 9).

Pelo que se tem visto, continuam tentando manter restrito esse universo. O fato é que, na semana seguinte à proclamação do resultado das eleições de 2014, um coro de insatisfeitos com os resultados já começava a se articular com vistas à impugnação do pleito eleitoral. Ante o malogro do intento, resolveram adotar outra estratégia: tornar ingovernável o país. Incentivar uma crise seria uma boa tática para, pouco tempo depois, resvalar para propostas de impeachment da presidente eleita, num total desrespeito aos parâmetros legais – pois não pesa contra Dilma Roussef nenhuma acusação que justifique sua destituição do cargo – e, mais que isso, à vontade popular demonstrada nas urnas.

Não se trata de transformar a situação por que passa o país num jogo de mocinhos e bandidos no qual de um lado estariam os bons e, do outro, os maus. O governo tem sua parcela de culpa na crise econômica que, no entanto, se acirrou com a crise política. O que está posto, na atual situação vivida pelo nosso vilipendiado Brasil, é a usurpação de um direito legitimamente garantido pela Constituição. Refiro-me ao direito de exercer o cargo de presidente da república, para o qual foi eleita Dilma Russef por maioria dos votos sufragados na eleição de 2014.

Persiste, ainda, na memória de todos nós, as consequências funestas de um período ditatorial em que foram ceifadas vidas e tolhida a liberdade. Em que pese as dolorosas e indeléveis marcas deixadas em todos aqueles que tiveram suas vidas dilaceradas por se oporem ao regime imposto, muitos acreditavam que isso fosse coisa do passado e que, doravante, a democracia no Brasil estava, enfim, consolidada.

Ledo engano. O que está em vias de acontecer é um golpe disfarçado de combate à corrupção. Para tanto, têm contribuído sobremaneira alguns órgãos de comunicação ainda hegemônicos, com poder suficiente para manipular e deturpar os fatos, influenciando de forma nefasta e danosa a opinião pública.

O chamado “quarto poder”, mais uma vez – a exemplo do que aconteceu em 1964 – resolveu mostrar, sem disfarces, sua cara, deixando claro a que interesses serve. Evidentemente não se poderia imputar à mídia toda a responsabilidade pelo que está acontecendo. Entretanto, não fosse a aliança dessa com instituições que se uniram contra a governabilidade do país, as possibilidades de sucesso de um pretenso e mal disfarçado golpe seriam bem menores.

Onde quer que eu esteja, tenho procurado aguçar um pouco a audição, me mantendo atento às conversas que, mais cedo ou mais tarde, desembocam quase sempre no mesmo assunto, a crise política. Tenho observado que o que foi noticiado na televisão é, na maioria das vezes, o parâmetro usado como fundamento para as opiniões expressas nessas conversas. É impressionante o poder de domínio sobre as massas que os meios de comunicação detêm, especialmente a televisão. É igualmente impressionante e, mais que isso, assustador, o dano que a disseminação de informações falsas, veiculadas sob o disfarce de verdades fatuais, pode causar a uma nação.

Em face do exposto, mais que nunca se impõe a necessidade, ou melhor, a obrigação, de que todos aqueles que, de alguma forma, dispõem de meios de acesso à mídia para disseminação da informação, e que não pactuam com o injusto processo de impeachment em curso, ergam a voz em defesa da democracia, no caso brasileiro, conquistada a custa de muitas vidas e muita luta, e ainda não consolidada. De minha parte, eu não gostaria de registrar na minha história de vida a omissão num momento em que pesa sobre este país que tanto amo o risco de, como consequência de maquinações de indivíduos totalmente inescrupulosos e sem nenhum senso de ética, percamos conquistas duramente alcançadas, fruto da luta e coragem de muitos que arriscaram – e, em alguns casos, deram – a própria vida.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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