Chegou setembro, mês que, para os católicos no Brasil, é dedicado à Bíblia. A escolha homenageia São Jerônimo, comemorado no dia 30 deste mês. Foi ele o responsável pela primeira tradução da Bíblia para o latim. Tenho um fascínio pela Bíblia que só tem aumentado com o passar dos anos, o que tem me levado a adquirir sempre novas edições do livro sagrado. Tenho procurado, também, as edições trazidas a lume por diferentes denominações religiosas. Adquiri o hábito de sempre cotejar pelo menos duas edições diferentes cada vez que vou explorar um texto bíblico. Essa estratégia tem se revelado muito fecunda e me trazido gratas e, algumas vezes, surpreendentes descobertas.

Além disso, tanto quanto da Bíblia gosto de livros sobre a Bíblia. Ainda esta semana andei relendo trechos de um livrinho maravilhoso, A Bíblia: um diário de leitura, de autoria do Luiz Paulo Horta (1943-2013), jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras. Na apresentação, escreve o autor: “Este livro surgiu a partir de um grupo de leitura da Bíblia que se reunia em Botafogo, Rio de Janeiro, em meados dos anos 1990. Éramos vinte, trinta pessoas, e nos encontrávamos às segundas-feiras para ler e discutir, sem pressa, um capítulo depois do outro, essa pequena biblioteca que se chama a Bíblia. E assim descobrimos a vitalidade inesgotável deste que é o livro-texto da civilização ocidental. Descobrimos, sobretudo, que estávamos diante de uma coisa viva que, a partir de certo ponto, começa a dialogar com você, a desafiar você” (p. 9).

Agrada-me muito essa perspectiva de uma leitura dialógica que nos incita e desafia, cuja culminância encontra-se, provavelmente, quando adentramos o mistério a que esse diálogo inevitavelmente nos remete se nos permitimos deixar conduzir pelo texto sagrado.  A propósito, Luiz Paulo Horta, ao falar do “Jorro de inspiração que é uma das marcas registradas da Bíblia e que dificilmente se poderia atribuir ao talento literário ou ao simples gênio poético”, conclui: “É muito diferente você ler um Shakespeare, por exemplo, ou um Tolstoi, sabendo, pelo texto, que está conversando com um gênio. Na Bíblia, o gênero narrativo pode seguir o seu ritmo tranquilo, às vezes quase prosaico, até o momento em que sentimos que o tom mudou e que alguma coisa misteriosa está por trás das palavras” (p. 15).

Dependendo da forma como nos acerquemos da Bíblia, esse caminho pode se revelar uma grande aventura que tem o condão de nos abrir para uma infinidade de possibilidades,  alçando-nos à transcendência. Em contrapartida, o contrário também pode acontecer, quando a aproximação ao texto bíblico se dá calcado no fundamentalismo, restringindo muito suas possibilidades, provocando, lamentavelmente, um fechamento do indivíduo onde o que prevalece é a afirmação de uma suposta verdade que não admite questionamentos.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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