A vibração no ar da respiração de Deus fala à alma dos homens. Música é a linguagem de Deus. Nós músicos estamos o mais perto que os homens podem estar de Deus. Nós escutamos a sua voz. Nós lemos os lábios dele. Nós damos a luz aos filhos de Deus. Cantamos suas preces. Isso é o que os músicos são.

Ludwig van Beethoven

Em uma entrevista concedida em 2008 à Rádio Deutsche Welle, o entrevistador indagou ao regente alemão Kurt Masur (1927-2015): “Como explicar hoje Beethoven às pessoas? Isto é sequer possível?” Ele inicia a resposta com duas frases que sintetizam a grandiosidade da música beethoviana: “A música de Beethoven é tão rica. Na realidade, não há nenhum sentimento humano que ela não tenha expressado”.

Pois foi exatamente este desafio que assumiu Geraldo Frencken ao escolher a música de Beethoven como tema para o Curso de História da Música que ministra semestralmente. O motivo da escolha, segundo me informou, foi prestar uma homenagem aos 250 anos de nascimento do compositor, celebrados este ano. Aliás, isso me faz lembrar o trecho de um texto que li há quarenta anos. Em 1980, a Editora abril lançou uma coleção de música clássica intitulada Mestres da Música. Os que fizeram a coleção, como eu, receberam como brinde um LP com a Nona Sinfonia de Beethoven sob a regência de Bruno Walter. O texto do Guia do ouvinte, que acompanha o LP, começa com as seguintes palavras: “Ao falar certa vez da Nona Sinfonia de Beethoven, o compositor Richard Wagner, depois de confessar que essa obra determinara, inclusive, a escolha de sua própria carreira de músico, referiu-se a ela como “o evangelho humano da arte do futuro”. Por essa razão, portanto, o seu criador – esse “grande descobridor de caminhos ignorados” – deveria ser homenageado para sempre”.

As aulas do Geraldo, entretanto, mais que uma homenagem, são uma celebração à arte e genialidade de Beethoven. No início da aula do dia 23 de março, por exemplo, Geraldo começou nos convidando a “conhecermos mais de perto o Quarto Concerto para piano e orquestra”. “Beethoven escreveu cinco concertos para piano”, informa, “além de muita música para piano solo, piano com violino, piano com quartetos, piano com trios, porque o piano era o instrumento dele. Muito interessante é saber, por exemplo, que ele apresentou, ele mesmo, os concertos para piano. Embora já tendo os primeiros sinais da sua surdez, mas ele fazia questão de ele mesmo apresentar seus concertos para piano, em público. Isso é muito notório e explica que ele gostava mesmo deste instrumento ao qual dedicou tanta música escrita, composta por ele.”

Prosseguindo, antes de iniciar a audição, tece algumas considerações sobre o concerto sugerido para a aula: “Vamos entrar um pouco no mundo do Quarto concerto para piano e orquestra que está sendo tocado para nós nesta noite pela pianista francesa Hélène Grimaud (https://www.youtube.com/watch?v=QRQaViIjFHk). Hélène Grimaud é uma daquelas pianistas que se dedica muito às composições para piano de Beethoven, e é considerada uma das especialistas nesta música”.

“Esse concerto é de uma beleza extrema em termos melódicos nos seus contrastes entre melodias lindas e suaves, e, de outro lado, ritmos fortes, entre momentos de grande alegria e outros momentos mais do tipo meditativo, no estilo meditativo. Isso é uma característica que está presente em muita música de Beethoven, esses contrastes com os quais ele gosta de trabalhar”.  

Interrompo por aqui as citações, sugerindo aos que se sentirem motivados a conhecer melhor a música de Beethoven que assistam as maravilhosas e elucidativas aulas do Geraldo (geraldof99@gmail.com). Ministradas inicialmente na Universidade sem Fronteiras, nos últimos dez anos as aulas do curso de História da Música acontecem às segundas-feiras, no horário de 19:00 às 20:30min, na Faculdade Católica de Fortaleza. Saliente-se, entretanto, que é um curso livre, aberto a qualquer pessoa que queira se matricular, não mantendo qualquer vínculo institucional com a Faculdade. Em virtude das circunstâncias do momento, “nestes tempos coronavirianos”, como disse Geraldo ao iniciar sua primeira aula virtual, as aulas estão sendo disponibilizadas via youtube.

Para os que não o conhecem, Geraldo Frencken nasceu na cidade de Helden, na Holanda, cursou mestrado em Teologia com especialização em Missiologia pela Universidade Católica de Nimega. Chegou ao Brasil em 1973. Como padre lazarista serviu à Igreja no interior Pará, antes de fixar-se em Fortaleza. Deixou a batina para se casar, em 1999, com a educadora Claudete da Silva Morais.

Gostaria de concluir com palavras de Kurt Mansur, proferidas por ocasião da entrevista anteriormente mencionada, transcrita na apostila que Geraldo preparou para o curso: “Precisamos imaginar como se sentia um homem que na época realmente não ouvia nada. Ele regeu a estreia [da Nona Sinfonia], porém atrás dele estava alguém que orquestra e coro pudessem seguir, pois ele mesmo estava totalmente confuso e não tinha o menor controle. Um homem que consegue a façanha de, no fim da vida, mais uma vez escrever uma mensagem para a humanidade. Ele se sentia importante o suficiente para acreditar haver recebido de Deus a missão para tal. Nada de sinfonia da despedida, como a Sexta Sinfonia de Tchaikovsky. A última mensagem que esse homem doente, solitário e se sentindo miserável legou à humanidade foi: Alegria, bela centelha divina. Isto é grandeza. E dá força também àqueles que apenas escutam a música e que não sabem grandes coisas, pois eles percebem que esta música é plena de superação de dificuldades, melancolia e luto, e que reflete, realmente, sempre e até o fim, a vontade de viver”.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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