Ted (Bryan Cranston) e Laird (James Franco) são o centro da trama

Não é todo dia que começamos uma crítica falando de sintaxe. Mas, diz a norma culta, que quando o verbo “ter” expressa uma noção de obrigatoriedade ou mesmo dever, o pronome que o sucede tem de ser “de” (viu o que eu fiz?). Assim sendo, “Tinha Que Ser Ele?”, comédia de John Hamburg, já começa com o nome sintaticamente errado. Um pecado leve, como vários de um longa, que, se não chega a ofender, passa longe de realmente agradar.

Purismos e rigores excessivos à parte, “Tinha Que Ser Ele?” é quase uma resposta a já sofrível série “Entrando Numa Fria” (2000, 2004 e 2010). É o velho tropo sobre conflitos entre sogro e genro, tão desgastado quanto piada de sogra. A boa mudança da vez é que, em vez de o foco ser no personagem jovem, o pai de família é quem protagoniza a trama. A comédia acompanha Ned (Bryan Cranston), patriarca dos Fleming e dono de uma empresa de impressões. Após um primeiro contato constrangedor com o namorado da filha Stephanie (Zoey Deutch), ele, a esposa Barb (Megan Mullally) e o filho Scotty (Griffin Gluck) são convidados para passar o feriado natalino na casa do genro. O que eles não sabiam é que Laird Mayhew (James Franco), amor de Stephanie, é um excêntrico bilionário do Vale do Silício.

A família Fleming: Ted, Scotty, Barb e Stephanie

A ideia central do roteiro, de Jonah Hill, John Hamburg e Ian Helfer, é contrapor a noção de tradicionalismo com modernidade. Acaba que o filme aposta no exagero da cultura hipster, bem retratada na direção de arte, para impor uma comédia física que até que funciona. Com um elenco robusto e participações especiais volumosas, “Tinha Que Ser Ele?” consegue ler uma sociedade crescentemente efêmera e rir desses excessos. Claro que a escalada de exagero atinge um teto, ultrapassa e transborda no meio da sala, mas existe ali um contexto interessante. Faltou só uma direção mais firme para dosar as medidas para não descambar tudo no clichê.

A dinâmica entre Cranston como escada e Franco como alívio cômico cansa na repetição. Quem melhor salva é Megan Mullally e Keegan-Michael Key no pouco tempo que têm de tela. O filme parece querer atirar para todo lado para fazer humor. Tenta ser inteligente, tenta comédia física, tenta ironia, tenta ser reflexivo. Funciona melhor no pastelão, principalmente nas cenas de “parkour”, mas se perde numa tendência infantil de piadas com palavrão e por algumas generosas doses de comportamentos misóginos. Aliás, a parte machista já fica clara quando a base do filme é um pai e um namorado tentando “cagar regra” na vida de uma mulher. Há até certo criticismo a isso, mas a obra segue com seus protagonistas masculinos e com mulheres orbitando. A mensagem central de união e renovação dentro do longa acaba sendo dissipando.

Laird e Gustav (Keegan-Michael Key) são, na verdade, a melhor dupla de “Tinha Que Ser Ele?”

Os excessos da mansão de Mayhew e até algumas tiradas de ironia, no entanto, fazem com que “Tinha Que Ser Ele?” não seja um erro completo. É descartável, como quase todo o cinema mainstream, mas é divertido em suas referências e seu exagero hipster. Não dá para buscar profundidade. Pelo menos temos rostos famosos suprem nossa cota de ridículo do dia.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 4/8.

Ficha técnica
Tinha Que Ser Ele? (Why Him? EUA/Camboja, 2016), de John Hamburg. Comédia. 111 minutos.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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