A construção de um universo paralelo de criaturas fantásticas em paralelo com o chamado mundo real sempre fascinou o cineasta Guillermo Del toro. Filmes como “O labirinto do Fauno”, “Hellboy” e “A colina escarlate” revelam seu potencial imagético e exploração dos sentimentos humanos, sejam eles nobres, como a amizade ou o auto sacrifício e também a revelação da pura crueldade humana.

Trabalhando personagens à priori bastante simplórios – mas de forma alguma menos complexos – que somos apresentados em “A forma da água” a Elisa (Sally Hawkins), uma zeladora que trabalha para um laboratório de pesquisas científicas. Muda desde criança, ela encontrou uma forma de viver em um mundo próprio, dentro de uma rotina com as poucas pessoas com quem se relaciona e se comunica, a melhor amiga e companheira de trabalho Dalila (Octavia Spencer) e o seu vizinho, também bastante solitário Giles (Richard Jenkins).

Elisa desenvolve uma improvável relação

Em meio a acontecimentos corriqueiros de trabalho, a chegada de uma nova criatura descoberta ao laboratório inicialmente desperta a curiosidade de Elisa. Tal fato parece desencadear um fenômeno novo em sua vida. Ignorando o temor aos rastros de violência que a criatura deixa em seus primeiros dias em cativeiro, os dois desenvolvem uma simbólica e bela relação.

A todo o momento, Del Toro busca rimas dentro de sua narrativa. A personagem incapaz de falar traz marcas semelhantes às guelras da criatura, também –aparentemente- incapaz de estabelecer uma linguagem oral. Ambos Elisa e ela aparentam fragilidade, mistério, temor. Embora, há uma mistura de complexidades em suas camadas que revelam outro sentimento: o de descobrir a sua identidade e serem vistos da maneira como realmente são, em sua totalidade.

O cerne do roteiro do filme talvez soe bastante simples, mas é da maneira como a construção dos personagens é executada em que está a grande sacada da projeção. Com suas fragilidades expostas, não importando as suas posições sociais na trama, percebemos que, até mesmo aqueles que aparentam estar no topo, possuem suas vulnerabilidades.

A protagonista vivida pela atriz Sally Hawkins

Porém, tal simplicidade não passa despercebida, e sentimos uma lacuna a qual poderia ser melhor preenchida com um desenvolvimento mais complexo da trama, que por vezes contém algumas obviedades.

Del Toro é muito inteligente e utiliza as fraquezas humanas para causar empatia e identificação no público com cenas sensíveis e de forte apelo emocional. Tais cenas fluem naturalmente pela narrativa e carregam a leveza e sentimento necessários para que compreendamos os sentimentos de Elisa, o que a criatura representa para ela.

As atuações bastante competentes são o outro sustentáculo do filme. Sally Hawkins aqui realiza um trabalho excepcional de linguagem corporal e fortes simbolismos com sua Elisa sensível, mas ao mesmo tempo cheia de uma força que a move e a transforma em uma mulher determinada a demonstrar que não é apenas uma pessoa incapaz de falar, mas que tem muito a dizer.

Belíssimas cenas foram idealizadas por Del Toro.

Outro destaque vai para Michael Stuhbarg, intérprete do cientista responsável por pesquisar sobre como a nova descoberta científica pode ser utilizada como arma para o governo. Há momentos em que o ator, em uma presença poderosa em cena rouba toda a atenção, sendo realmente uma pena a ausência de uma indicação pela Academia.

“A Forma da água” é uma bela fábula para compreendermos o poder do espírito humano em meio às incapacidades aparentes, mas que podem ser contornadas se formos abertos o bastante para tentar gerar essa compreensão do que realmente o outro é, sem barreiras, sem formas ou padrões.

Cotação: Nota – 6/8

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Catherine Santos

27 anos, Jornalista, apaixonou-se pela magia do cinema aos 7 anos. Filmes são pedaços da vida dos outros que você colhe para montar a sua própria vida.

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