Foto: Antonello Veneri/ Divulgação

Por Teresa Monteiro (Jornalista)

Nego Gallo chegou às plataformas digitais no último dia 10 de janeiro com Veterano. Segunda mixtape solo após Carlin Voltou, de 2016, o novo trabalho – com produção de Coro MC e Léo Grijó – reúne 11 faixas que traduzem em rimas e ritmos a vivência do rapper numa múltipla Fortaleza, cidade que abraçou desde jovem, quando veio do Rio de Janeiro na companhia dos irmãos e da mãe, auxiliar de enfermagem. “Quando eu cheguei aqui, foi pelo Oitão Preto. Eu nunca morei fora de comunidade. Essa cidade que eu retrato é a Fortaleza, mas é legal a gente entender que esse País tem duas dimensões: existe o Brasil oficial – então também existem as ‘cidades oficiais’ -, e existe o Brasil real e as cidades reais. Eu canto a cidade que eu vivo de maneira real”, reforça.

Veterano diz muito, a começar pelo título. “Veterano sou eu, aos 44 anos! Mas não tem a ver só com a idade. A gente, que já tem 16 anos vivendo nessa cidade, já é veterano de uma guerra que existe há anos, séculos. Ela só muda de cara a cada período, mas as vítimas são sempre as mesmas. Então Veterano foi a forma como eu tentei me colocar no meu lugar, aos 44 anos, vivendo nessa Cidade. Veterano de luta, de vida, por busca de dignidade, de poder construir um ambiente favorável pros meus sonhos, com todas as dificuldades que são impostas – porque são impostas! – pra gente como a gente. Não é uma opção. A única opção que a gente tem é enfrentar essa guerra e aí tentar ser produtivo, tentar ser criativo, tentar de alguma forma se abstrair desse mar de miséria pra poder ter fala. Ser o sujeito da fala”, provoca.

Cerca de oito meses foram necessários para a feitura do álbum, gravado em home studio, que chama o reggae, o dancehall, o trap, entre outras sonoridades para dançar. “Foram uns oito meses morando lá nas Goiabeiras. Pra quem não saca, Goiabeiras fica aqui pertinho da Barra, perto ali da Praça do Santiago… É um lugar complexo, né? Durante o processo de gravação, foram cinco homicídios que a gente registrou em frente ao local em que a gente estava gravando. Tipo, um por mês. Isso não é uma parada que pode ser considerada normal. Mas, de certa forma, esse disco vai de encontro a isso. A gente tem que buscar estar junto, buscar alguma forma de convivência, de viver em paz e esse disco era meio isso”, contextualiza o rapper.

Na quinta capital do País, Nego Gallo transita por diversas vielas e Veterano embasa essa mistura, que foi estrategicamente traduzida em fotos pelo italiano Antonello Veneri. “A gente está numa capital onde o índice de homicídios é maior do que de guerra. O disco me permitiu resgatar esse sentimento de não ser ganho pelo medo. Foi uma forma de dizer que essa cidade também é minha, eu tenho amigos, as coisas estão acontecendo e eu não posso me privar por causa da política, aliás, da má política de gestão do Estado em relação à segurança. Essa vida é muito curta. E a gente vive num estado que precisaria de um olhar mais humano sobre as pessoas. A gente precisa, de alguma forma, levar esperança pra essas pessoas”, afirma.

Com Don L, parceiro à época do grupo Costa a Costa, Nego Gallo dividiu os vocais na faixa intitulada No Meu Nome. O produtor Coro MC também surge em Veterano, desta vez em Passado Presente, bem como o cearense MC Mah e os baianos do grupo Ugangue, DaGanja e Galf AC, na música Acima de Nós só o Justo. A inspiração? Nos próprios rolês pela Cidade. “Eu trago tudo que está sendo escutado aqui. Quem vai aos reggaes aqui ou está participando dos movimentos nas praças, vai escutar música da Venezuela, da Argentina, da Colômbia… Isso toca aqui em Fortaleza”, diz. “Aldair Playboy é uma referência pra mim, saca? Silvanno Salles… Têm tantos nomes! O Nordeste vive numa sintonia”, completa.

Veterano encontra-se disponível somente nas plataformas digitais, além do canal no YouTube. “A coisa do CD físico, hoje eu acho que não se justificaria, até mesmo pela questão do formato. O CD físico envolve, de alguma forma, a interferência na natureza (plástico, papel…), e essas coisas não são mais interessantes pra gente”. Também não está nos planos de Nego Gallo migrar do underground. “Na verdade, nem penso nisso. Até porque, se a gente for falar de underground ou mainstream, o Costa a Costa começou esse mainstream em 2007. A leitura que a gente fez da Cidade e o País que a gente trouxe foi super atual. A maior parte das pessoas que está cantando rap hoje tem a influência do Costa a Costa. Então eu não me sinto em nenhum momento, por estar aqui, fora do mainstream ou do underground. Eu faço parte de tudo isso”. O bagui virou, nego!

Veterano (2019), de Nego Gallo
Independente
11 faixas
Produção: Coro MC e Léo Grijó
Participações: Don L, Coro MC, MC Mah, DaGanja, Galf AC
Disponível em todas as plataformas digitais e YouTube

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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