Com a pandemia, o ensino remoto se tornou a saída para que os alunos não deixassem de estudar. No entanto, o modelo não parece o mais adequado para os pequenos.

Ensino remoto na educação infatil

Vinicius Vale agora compartilha os estudos com os brinquedos e o irmão mais novo. Foto: Arquivo pessoal.

Pedro, 3 anos, Vinicius, 4, e Clarice, 7, estão vivenciando uma nova rotina nos últimos meses. A mudança começou quando a escola onde estudam, em Fortaleza, decidiu antecipar as férias para abril e retornar em maio, mas de um jeito diferente. O menor, por não ser obrigado a estar na escola, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, teve sua matrícula cancelada. Já Vinicius e Clarice tiveram que trocar as carteiras e os coleguinhas por mesinhas, bonecos e pelúcias. Devido à pandemia, o ensino remoto teve de ser implementando de ponta a ponta na Educação Brasileira, levantando muitos questionamentos e incertezas.

A Base Nacional Comum Curricular diz que a Educação Infantil deve “ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar”. Diz ainda que cabe ao educador “refletir, selecionar, organizar, planejar, mediar e monitorar o conjunto das práticas e interações, garantindo a pluralidade de situações que promovam o desenvolvimento pleno das crianças”.

No entanto, no momento de hoje fica extremamente difícil que escolas de todo o país coloquem as indicações dos documentos oficiais na prática. Para tornar o processo mais claro, o Conselho Nacional de Educação, em abril, aprovou um documento com orientações para instituições de ensino durante a pandemia. Para a Educação Infantil, o documento diz o seguinte:

“A orientação para creche e pré-escola é que os gestores busquem uma aproximação virtual dos professores com as famílias, de modo a estreitar vínculos e fazer sugestões de atividades às crianças e aos pais e responsáveis. As soluções propostas pelas escolas e redes de ensino devem considerar que as crianças pequenas aprendem e se desenvolvem brincando prioritariamente”.

Apesar do desafio, educadores reforçam que deve haver um esforço para valer o documento. Esse pensamento é compartilhado por Silvina Monteiro, Diretora de Ensino da Educação Infantil do Colégio Master, de Fortaleza. Portanto, para ela, “a própria BNCC quando traz os direitos de aprendizagem fala na criança que vivencia pelo corpo, pelo sentido, pelas trocas. Para a criança, o espaço físico é insubstituível, mas essa ruptura não poderia significar uma ruptura total com esse vínculo, esse sentimento de grupo”.

Possibilidades

A partir desse desafio, cada escola foi buscando as estratégias que mais se adequassem às necessidades de seus alunos. Uma das opções foi a realização de momentos síncronos (transmissões ao vivo) e assíncronos (vídeos gravados), como fez o Colégio Master. “A escolha desse modelo considerou a importância da manutenção de vínculos afetivos entre crianças e professores e, ao mesmo tempo, evitar que permanecessem muito tempo frente às telas”, comenta a professora Silvina.

Nessa escola, os recursos audiovisuais contemplam linguagens diversas, como musicalização, inglês e psicomotricidade, considerando os direitos de aprendizagem e desenvolvimento que compõem a BNCC. A duração do vídeo varia entre 15 e 30 minutos, dependendo da faixa etária. “Dentro da nossa visão, a gente entendeu que precisávamos mediar esses dois momentos por realmente não desejar uma rotina de muito tempo conectado e ao mesmo tempo pensando nas famílias que estão vivenciando essas rotinas também”, defende Silvina, reforçando ainda que “a gente foi construindo esse caminho juntos, com trocas entres escolas, consultorias, pessoas que vem apoiando projetos híbridos principalmente na Educação Infantil”.

Já onde Pedro, Vinicius e Clarice estudam, a metodologia está sendo outra. Os pequenos estudam em uma escola construtivista, o Colégio Oliveira Lima, também em Fortaleza, e a grande preocupação da mãe deles, a jornalista Naara Vale, era como transpor para o virtual uma metodologia em que tudo se faz na prática.

Eles são muito instigados a participarem, descobrirem por eles mesmos, questionarem, interagirem, fazerem experiências para chegar às respostas de determinado assunto que a professora está abordando”, conta Naara.

Na casa de Naara, somente Vinicius e Clarice seguem tendo aulas virtuais. As aulas de Vinicius ocorrem de 8h às 11h; já de Clarice, que está no 2º ano do Ensino Fundamental, até 11h15. Como os livros dos alunos são produzidos pela própria escola, eles passaram a receber em casa para que façam as atividades e acompanhem as aulas. “Não é a mesma coisa que o presencial, não tem como discutir, mas está rendendo mais do que eu esperava”, afirma a mãe das crianças.

Aprendizagem fragmentada

Ao contrário do Ensino Médio, que já tem mais afinidade com o ensino por telas, a Educação Infantil sequer engatinha nesse processo. Por esse motivo, não há estudos ou experiências conhecidas que atestem a efetividade do modelo nesse segmento. Para especialistas, o ensino remoto não é recomendável para a Educação Infantil porque as crianças pequenas não têm a mesma capacidade de concentração e autonomia que uma criança maior.

Ensino remoto na Educação infantil - Beatriz Abuchaim

“As experiências vividas no início da vida têm um valor muito importante; a sociedade deveria olhar com mais cuidado para esse período”, Beatriz Abuchaim. Foto: Divulgação.

Além disso, o currículo do segmento foca na aprendizagem por interação, como explica Beatriz Abuchaim, Gerente de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, “a aprendizagem por meio virtual é uma aprendizagem fragmentada, a criança fica mais passiva. Isso faz a gente pensar que esse ensino a distância não seria a metodologia mais adequada”.

Isso porque o currículo da Educação Infantil não é organizado em disciplinas, como acontece no restante da Educação Básica. “A gente pensa em um currículo integrando atividades e experiências para que as crianças possam aprender várias habilidades ao mesmo tempo, e essas atividade remotas acabam focando em uma ou outra habilidade específica”, reforça Beatriz.

Exposição a telas

Outro ponto sobre o qual especialistas se debruçaram nos últimos meses foi a exposição de crianças menores a telas por um longo período. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), menores de 2 anos não devem ter contato com telas de maneira alguma; já entre 2 e 5 anos, esse contato pode ser de até uma hora por dia.

Os riscos não são pequenos: dependência digital, irritabilidade, ansiedade, transtornos de alimentação, sedentarismo, exposição a crimes virtuais, complicações visuais e/ou auditivas. Esses são alguns dos problemas que podem acometer as crianças e prejudicar seu desenvolvimento físico, cognitivo e social.

A prática do ensino remoto diverge até do próprio modus operandi da Educação Infantil.

“O que a gente entende como Educação infantil de qualidade é uma educação que coloca a criança como protagonista; de frente da tela, ela se torna passiva”, conclui Beatriz.

A educadora também aponta que, mesmo com os diversos recursos que os meios digitais dispõem, a criança continua tendo um processo de aprendizagem limitado.

Diante da discussão, a Diretora Silvina faz uma observação: “a escola não está promovendo Ead (ensino a distância), e sim atividades remotas para manutenção dos vínculos e que não se deixe de proporcionar esses estímulos preciosos nesse tempo, que é o tempo de aprender.”.

O ensino remoto na prática

Ensino remoto na Educação infantil

Vinicius participa da aula virtual enquanto o irmão, Pedro, o acompanha. Foto: Arquivo pessoal.

Naara sentiu o lado negativo do ensino remoto. “O de 4 anos fica saindo, diz que está cansado… Eu saio do quarto e quando volto vejo que ele está em outro cômodo, ou está com o lápis de cor fazendo brincadeira…”, relata, complementando que com sua outra filha, mesmo ela não precisando de acompanhamento, o cuidado também é necessário pois “a internet caiu, saiu da sala sem querer, o microfone não está funcionando, ou está com uma dúvida porque a professora não consegue tirar”.

A rotina também foi uma preocupação. “Eu ficava me questionando como eu ia dar conta de cuidar da casa, cozinhar, cuidar do mais novo que fica perambulando pela casa e ainda dar assistência aos mais velhos”, conta Naara, que precisou tirar licença do trabalho para poder ficar em casa com os pequenos, já que seu marido é médico e não parou de trabalhar e ainda precisou dispensar a babá e a diarista.

“A primeira semana foi muito desgastante”, confessa Naara. Dentre os empecilhos, a falta de concentração das crianças, o ritmo acelerado da professora na sala virtual, os problemas técnicos e a comunicação falha entre alunos e professoras. No entanto, para sua tranquilidade, as coisas foram se ajustando com o tempo. Os alunos demonstraram-se mais adaptados, as professoras encontraram o tom certo e os encontros tiveram sua carga horária reduzida para não sobrecarregarem tantos os alunos.

Naara reforça o apoio, a organização e o planejamento da escola para que o momento fosse mais proveitoso possível. Como tudo novo, ajustes foram sendo feitos dia após dia a partir dos feedbacks recebidos dos pais em reuniões virtuais com o corpo escolar.

Relação escola x família

Segundo especialistas, esse momento de ensino remoto é uma oportunidade para as escolas estreitarem as suas relações com as famílias. Para Beatriz Abuchaim, “a função dos pais nesse momento é sobretudo acolher as crianças. Não deve estar sendo fácil para as crianças, por isso as famílias devem exercer sua parentalidade de uma forma responsiva, atenta e acolhedora”.

Seguindo a mesma linha, Silvina aponta onde a família se insere nesse momento:

As crianças não estavam preparadas para romper com esse espaço social importante, tanto na aprendizagem, na troca, quanto na afetividade, nos laços. Então a gente foi inserindo algumas atividades que permitiam a manutenção desses vínculos e auxiliavam as famílias para que as crianças mantivessem a rotina, para que esse tempo de aprender não fosse interrompido”.

A criação de rotina deve ser algo também estimulado pelos pais nesse momento, já que é muito importante que a criança tenha alguma previsibilidade. “A ideia é orientar as famílias a como organizar o dia a dia das crianças, com momentos de brincadeira, atividades e até mesmo conversas sobre o isolamento”, sugere a especialista da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Dessa forma, o Colégio Master enviou aos alunos atividades lúdicas para serem vivenciadas com o suporte da família e implementou novas ações semelhantes à medida que recebiam feedbacks dos pais. Paralelo a isso, uso de uma agenda on-line e aplicativos de conversas também foram estratégias para estreitar o canal de comunicação com os pais e coletar feedbacks, recebe registros, ouvir experiências.

ensino remoto na educação infantil

A escola de Vinicius organizou a “noite do pijama virtual”, com cada aluno na sua casa, participando de atividades via web. Foto: arquivo pessoal.

Outra estratégia para inserir os pais no contexto educacional é o que, por exemplo, a Colégio Oliveira Lima está fazendo. De acordo com Naara, “os professores postam vídeos sugerindo atividades de recortes, colagem, coisas do tipo”. Algo semelhante à sugestão de Beatriz Abuchaim: “a escola pode gravar uma história e mandar para a família para possa assistir junto com a criança. Ver aquele vídeo ajuda a família a se conectar com a escola, com a professora. Qualquer atividade remota deve ter uma finalidade junto da criança”.

Como era algo impensável até meses atrás, ainda não se sabe os impactos que o uso de ferramentas virtuais traz às crianças. Mesmo nesse contexto, algumas conseguirão se sair melhor que outras – e isso se deve principalmente a fatores externos a ela. Por isso, cabe à escola avaliar o desenvolvimento de cada uma, entender as consequências e, em parceria, com as famílias, agir para garantir o seu desenvolvimento.

 

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About the Author

Eduardo Siqueira

Um jornalista que ama Educação. Minhas experiências me fizeram imergir no universo da Educação, sentindo todo o seu poder transformador e percebendo o quanto ela ainda precisa de apoio. Aqui, busco fazer minha parte e ajudar as pessoas a compreendê-la nem que seja um cadinho.

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