FRAN NASCIMENTO (Foto: Alex Costa)

Por Nina Rizzi*
quem tem medo da mulher que fala?

FRAN, fui a escuta selvagem aquela vez única, no I Encontro de Saraus e Rolezinhos. era um dia que vinha e se ia com os ventos da noite e a alegria e força incríveis, inspiradoras. “o gera”.

tenho pena de mim que enquanto não me mando pra sobral, ou não te manda pra cá, não te posso verouvir a carne mais rara. e então fico ziguezagueando louquíssima a me pasmar sua presença & voz, e de suas manas minas monas, em vídeos do youtube.

te ouço como a mulher negra que não pode deixar o seu bebê só e sob açoite está num sertão escravo até que os peitos sejam um lamaçal de sangue e leite. te ouço como a menina que batida, estuprada e expulsa de casa por denunciar o pai, ergue os braços e a cara: eu sou minha. te ouço como a antinotícia que não sai no jornal.

mas ainda mais: te ouço e sei – seu lugar, nosso lugar, não é o do exótico, da serviliência; é na militância, é no slam, é na rua, onde a gente quiser, na cama e na cozinha (te faria deliciosos falafels). te ouço. em todos os espaços criando novas formas de ser, de atuar – de amar.

FRAN (Foto: Thamila Santos)

como a mulher livre que é. e somos enfim.

digo euvocê como quem diz todas as mulheres do mundo. digo euvocê porque quero ouvir todas as mulheres do mundo. numa tribo massai, num horizonte de outra língua e forma. e aqui. digo euvocê, como pudesse trazer pra junto todas nós.

quandos euvocê formos uma só fortaleza. quandos euvocê formos um só sertão. quandos euvocê formos um só relâmpago. quandos euvocê formos uma só terra. quandos euvocê formos uma só neblina. quandos euvocê formos uma só cachoeira. quandos euvocê formos uma só mangueira. quandos euvocê formos uma só mulher. seremos todas as falas lutas poemas.

– quandos, é agora. te ouço, mulher que fala:

Tanto se fala 
Sobre lugar de fala
O lugar que tu ocupa difere do meu
E se nós fala agora
É pq outra voz, no mei do caminho, se perdeu

E não pode gritar em voz ativa
Antes pudesse ao menos falar
Hoje não está nem viva

Foi encontrada no banheiro
Do lado uma filha pequena,
De um ano, 
Apenas sangue e desespero

Ser feliz tava nos plano
Que foi tirado brutalmente
Agora sente aqui 
Sente aqui
Na tua mente:

O peso do
#MexeuComUma
#MexeuComTodas
Quando nem todas são tão consideradas 
Algumas são ofuscadas, 
E dos blogs são apagadas.

A fala da mina na TV
Tem mais peso
Que a morte da mina na perifa
Só não vê quem não quer vê

Algumas ameaças merecem real atenção
Enquanto outras apenas são ouvidas quando veem sangue escorrendo no chão

E ainda perguntam o pq de não ir fazer B.O
Quando são esses próprios da polícia
Que são maior K.O

Não há Lei Maria da Penha
Que nos proteja realmente
Tá sentindo aí na 
Tua mente?

E aí vem o lance de quem é que tá no poder
As preta só são vista
Quando as branca começa a ver

É que a fala de umas
Importam mais que as de outras
As outras ainda são chamados de loucas!!!!

“Mãe Afasta de mim o machismo, mãe
Afasta a misoginia, mãe
Afasta o feminicídio, mãe
Pois na quebrada escorre sangue”

FRAN

*FRAN NASCIMENTO, é uma das articuladoras d’O Slam da Quentura, primeira disputa de poesia falada do estado do Ceará. Realizado de forma colaborativa por alguns poetas, rappers, MCs, produtores e alguns entusiastas do movimento. Desde março de 2017, ocupando a Praça do FB, no centro de Sobral, sempre no último sábado do mês, às 20h. Também facilita a “Oficina PoetizAção”, nos Slams e em escolas. “Poesia Nua e Crua?/ Slam da Quentuuuuuuuura!”

Email: slamdaquintura@gmail.com
Facebook: /slamdaquentura
Twitter: @slamdaquentura
Instagram: @slamdaquentura
Youtube: Slam da Quentura

*Nina Rizzi é escritora, tradutora e poeta. Tem textos publicados em revistas, jornais, suplementos e antologias. É também integrante do grupo Leituras Públicas. Gosta de saraus, de periferia, do Centro de Fortaleza e de eventos literários. Ela escreve mensalmente no blog Leituras da Bel sobre mulher e poesia.

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

View All Articles