
Filme “O substituto”
Nós escritores, de vez em quando, nos utilizamos das palavras para desabafar nossos sentimentos que estão presos e que se não saírem se transformam em verdadeiros carnegões dentro da gente.
Quem lê meus textos sabe que eu trabalho como professor e tenho uma vida bastante corrida indo de uma casa a outra de alunos para ensinar. Amo o ensino e passo boa parte do meu tempo lendo livros interessantíssimos que tratam o tema da educação de uma forma ampla e com muitas visões diferentes!
A cada dia me esforço para ser um professor melhor e mais dedicado. Infelizmente, nesse semestre, na faculdade que ensino à certo tempo, aconteceu uma situação que pra mim não foi nem aquela conhecida expressão “balde de água fria”, foi pior, bem pior, foi como se eu fosse jogado numa represa de águas congelantes ou numa cachoeira no Himalaia…
Estava eu empolgado dando uma aula de revisão para uma prova, dando altos bizus e dicas importantes para meus alunos levarem como conhecimento para a vida toda, e eis que um dos alunos interrompe a aula pra dizer mais ou menos assim:
– Professor, não é nada contra o senhor querer ensinar mais coisas e nos passar conhecimentos que serão úteis pra nós ao longo da carreira, mas sinceramente, isso faz é com que a gente fique mais angustiado com a sua prova. Faça o seguinte! Seria muito melhor que o senhor simplesmente chegasse aqui para abordar apenas aquilo que vai cair na prova e pronto! Resolver umas questões parecidas com a da prova. Isso seria perfeito!
Eu fiquei sem reação nessa hora. Sabe aquele momento que não vem nada na sua cabeça! Talvez em tempos passados tivesse respondido alguma coisa ou dado uma lição de moral pra turma. Mas dessa vez não! Tenho aprendido que em alguns momentos é preferível silenciar e com calma refletir sobre tudo o que foi dito e vivenciado.
Foi o que fiz! Estou escrevendo esse texto alguns dias depois desse ocorrido! E o que me deixa mais triste é que a atitude desse aluno está longe, absolutamente longe de ser exclusiva. Garanto que outros professores que estejam lendo esse texto agora já passaram por situação semelhante e isso é extremamente desestimulante.
Peço desculpas aos leitores por falar com tamanha franqueza e raramente faço isso, mas dessa vez não teve jeito! Pois sei que esse texto vai fazer muita gente refletir.
Isso é a mais pura e concreta manifestação de MEDIOCRIDADE. Eu procuro ao máximo levar meus alunos a se desenvolverem, a se tornarem mais perspicazes, porém, com essa última experiência, pude constatar que por mais que eu me esforce, o “sistema”, fala mais alto! Eu sou apenas um frente a um sistema educacional que por séculos e séculos não incentiva que os alunos se transformem em protagonistas das suas histórias de vida. Como professor, eu tenho essa utopia e permanecerei com ela enquanto eu viver, enquanto estiver por aqui.
Parece que por alinhamento com o universo, li no dia em que escrevo esse texto, algumas palavras que me inspiraram para que falasse sobre tudo isso. Palavras da conceituada educadora Madalena Freire, filha do mestre da educação Paulo Freire.
Li essas palavras no livro da querida filósofa e escritora Viviane Mosé chamado “A escola e os desafios contemporâneos”. Na entrevista com a Madalena ela falou o seguinte:
***************
Carregamos um peso na juventude, na vida madura nem tanto. Sou a mais velha, mas acho que posso falar por todos os menores. Carregamos um peso muito grande por ser filha de um pai famoso, ainda mais no mundo da educação ser filha desse pai. Vivi muita dificuldade, momentos de muita delicadeza em que precisei ter muita raiva (risos), ser muito agressiva para dizer aos outros: “Não sou Paulo Freire! Sou Madalena!” E ele foi uma força para me apoia nisso. “É isso mesmo, me supere, não entre nessa massificação mistificadora dessas pessoas! Se assuma na sua beleza e na sua autoria, me supere!” Ele, dentro de casa, dizia isso para todos nós: “Me superem!”
Madalena Freire
***************
Ao terminar de ler essa entrevista com a Madalena me passou pela mente: “Como esse homem era autêntico! Uau!”. O mesmo que ele dizia aos seus filhos, dizia para os seus alunos todos e disse também para um senhor que admiro imensamente, o grande Mario Sergio Cortella, que foi seu aluno no doutorado em Educação e depois foram colegas de profissão por mais de 10 anos.
Ele disse ao Cortella logo nos primeiros dias do doutorado: “Quero que você me honre, honre ter trabalhado comigo, me supere!”.
Só mesmo alguém com uma imensa humildade para dizer isso. A maioria dos professores universitários tem uma impressão de que são a elite da elite do conhecimento, mas isso não passa de pura arrogância. O maior é aquele que serve, lembra essas sábias palavras do mestre Jesus?
Eu me inspiro em todos esses grandes homens e mulheres, em todos esses mega educadores, para tentar ser um pouquinho melhor a cada dia.
O Cortella, praticamente todos os outros orientandos do querido Paulo Freire, e também todos os seus filhos, foram transformados em mestres. Esse é o papel de um verdadeiro mestre, transformar seus discípulos em mestres! O Cortella é uma prova viva disso. Ele fez o “dever de casa” muito bem!
Ensino os alunos com esse desejo interno de que todos eles me superem, então com esse desejo, não fico só no superficial, gosto de levá-los a pensar, a se questionarem, a não ficarem só no beabá! Porém, isso fere os que têm uma mentalidade medíocre.
Eu decidi não mais continuar a dar aulas nessa instituição, porque se preciso ficar em um lugar onde minhas asas são cortadas e não posso alçar belos voos junto com meus queridos alunos, esse lugar não serve para mim.
Quero que os alunos me superem, se tornem grandes profissionais, alçando voos nas trilhas do conhecimento e da vida. Mas sei que voar não é para todos.
Tem aqueles que preferem ver apenas o conteúdo que será cobrado na prova…
Excelente. Sou fã assídua dos seus textos!
Muito obrigado Jane! Fico feliz que esteja gostando dos textos e que eles estejam fazendo bem pra ti. Continuemos sempre crescendo juntos em consciência e amor, pois esse é o maior objetivo na vida de qualquer ser humano.
Grande abraço!
Excelente reflexão!
Excelente texto e postura. Infelizmente a perda será imensa.
Hehehe… Como professora, também vivenciei exatamente a mesma coisa “n” vezes. Para te falar a verdade, até pais já me disseram o mesmo: simplificar o conteúdo, a aula, a prova. Para ser ainda mais verdadeira, já ouvi isso de uma representante de editora, dessas que vendem seus livros didáticos para escolas de Ensino Fundamental. Os professores são “minados” pela escola, pela família, pelas editoras de livro… Estamos “fritos”, porque queremos mudar a realidade do país, e usar a educação como uma das ferramentas para isso. Mas como mudar quem não quer mudança? Como fazer um trabalho intenso de reflexão se nosso público e os que nos cercam não concordam com essa “estratégia” de superação? Mas não desanime, Isaías, porque isso só lhe tornará mais fortalecido. Um dia, estarão convencidos que o que você queria era o melhor para eles e para o mundo. Seu valor não pode ser medido pela mediocridade de uns. Parabéns pela sua carreira (é de orgulhar seus colegas professores).
Nossa! Você disse tudo nesse comentário. Como mudar quem não quer mudança? Foi exatamente por ter consciência disso que não parei a aula pra ficar dando lição de moral pra turma no dia do ocorrido.
De forma alguma vou desanimar, pelo contrário! Tenho procurado entender cada vez mais onde é que eu posso estar falhando e estou me trabalhando para um aprimoramento ainda maior! Eu me inspiro muito no Paulo Freire e no Mario Sergio Cortella. Praticamente todos os dias a linda frase do Freire passa pela minha mente: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.”
Quero ser um professor autêntico, sincero, verdadeiro e humilde. Sei que o processo de melhoramento nunca tem fim e esse texto é para também nos incentivar a continuar fazendo a diferença por onde formos!
E você é professora de quê? Fiquei curioso!!
Me sinto assim, exatamente assim !… Infelizmente venho percebendo que o ensino, o estudo, a escola, já não são “importantes” para alguns jovens. Cada vez mais percebo a falta de interesse, objetivos e educação em sala de aula. Cabe a nós nos unirmos cada vez mais e lutarmos por uma educação de qualidade. Só assim poderemos avançar. Nós educadores somos muito importantes para uma nação que quer melhorar, que quer avançar, que quer justiça!
Exatamente Lucineia! Fiz esse texto desabafo pra colocar pra fora esse sentimento que tinha tomado conta de mim. Esse evento colocado serviu para me fortalecer ainda mais no propósito de ser um professor cada vez melhor. E certamente foi continuar dando o melhor de mim para contribuir para a elevação de consciência dos estudantes e a melhoria geral do ensino. Nos unindo com certeza cresceremos muito mais!
Grande abraço e continue acompanhando os textos do blog!
Admiro muito suas ideias! Parabéns pela sua dedicação e sucesso sempre! Abraço