Marcos Veras e Pedro Vinicius

Marcos Veras e Pedro Vinicius

“O Filho Eterno” tem um vilão. E uma vítima. Como tantos filmes. A diferença é que, nesse caso, ambos são a mesma pessoa. Não, não é um conflito de personalidades múltiplas e dissonantes. É uma luta entre quem somos e quem acreditamos ser. Baseado no romance homônimo de Cristóvão Tezza, “O Filho Eterno”, de Paulo Machline, é um filme sobre aceitação e perdão a si e aos outros.

O longa surge na mesma nascente da obra-prima de Tezza. Curitiba, 1982. A melhor seleção brasileira desde 1982 segue confiante rumo ao tetra mundial, enquanto o escritor Roberto (Marcos Veras) já mede os orgulhos que seu primeiro filho, que nasce no dia do jogo, lhe dará. Acontece que nem o Brasil ganhou tetra em 1982 e nem o filho, Fabrício, foi a bênção que Roberto esperava. Diagnosticado com síndrome de Down, o pequeno parece mais um fardo do que um milagre para o pai.

Marcos Veras e Pedro Vinicius

Marcos Veras e Pedro Vinicius

Em essência, a obra foca a desmistificação de temas clássicos. O amor incondicional ao filho é substituído por um quase ódio de alguém que pode até comemorar uma morte, que o daria acesso de volta à normalidade. Paralelamente, o filme foge do sensacionalismo raso sobre a síndrome de Down, fugindo de tratar deficiência como perfumaria. As questões de Fabrício (Pedro Vinícius) não são o foco. O centro é a forma como Roberto não consegue lidar com isso.

Relativamento curto, com 82 minutos, “O Filho Eterno” acompanha a espiral de autodestruição de Roberto, sem ignorar o dano colateral no resto da família. A felicidade que se transformou em dificuldade é tratada com uma dose imensa de sinceridade, mas contraposta por colheradas homeopáticas de empatia. Dessa forma, conseguimos entender o protagonista, ainda que com distanciamento suficiente para não julgar suas ações.

Apesar de tanto quanto óbvia e linear, a estrutura do roteiro, adaptado por Leonardo Levis, adiciona uma grande camada de sentimento ao decompor a relação de Roberto com o futebol. As Copas de 1982, 1986, 1990 e 1994 são traduzidas na relação pai e filho. Antes, o escritor já comemorava o título que nunca veio, bem como as glórias de um filho ainda não nascido. Depois, o futebol deixou de ser relevante, transparecendo a distância entre Roberto e Fabrício.

Débora Falabella e Marcos Veras

Débora Falabella e Marcos Veras

Esse jogo de crueldade e ternura converge em um ápice emocionante… Mas atrapalhado pelos excessos da trilha musical. Em um filme impresso em tons tão fortes, não se carece de guia em forma de música. Acaba que esse exagero vira atalho para as emoções, dando um sentimentalismo maior do que o necessário. As dores, redenções e perdões se bastam. Acaba caindo em um erro que evitou bem ao não se entregar aos excessos da narração em off, que se foca em texto mais propriamente literário.

Outro bom mérito é do elenco, encabeçado por Marcos Veras. Escalado “off-type”, o em geral comediante tem um desafio enorme em emprestar carisma para alguém tão difícil como Roberto. E Veras consegue manter o equilíbrio, ainda que sem brilhantismo. Já Débora Falabella dá a discrição de uma mãe que trabalha, cria filho e o ama incondicionalmente sem qualquer reclamação. É um personagem que não existe no livro, mas que não se impõe ao drama da adaptação. Acaba que aumenta a sensação de privilégio do pai ausente. Já o pequeno Pedro Vinicius é encantador, sempre – tudo que o personagem carecia.

“O Filho Eterno” é filme de dilema individual. É uma viagem interna sem clichês e saídas fáceis. Não existe uma cura mágica para uma personalidade egoísta ou para a síndrome de Down. Para Tezza/Machline, ser pai é entender sua finitude, sua incapacidade, seus erros. É três doses de inquietude para cada uma de paz.

Cotação: nota 6/8.

Ficha técnica
O Filho Eterno
(BRA, 2016), de Paulo Machline. Drama. 82 minutos. Com Marcos Veras e Débora Falabella.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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