“Eu Te Levo” se move entre a utopia e o fatalismo

O diálogo é, até que se prove o contrário, a forma mais simples de se explicar uma ação. No cinema, no entanto, melhor do que contar é mostrar. Só que existe um vão entre aquilo que se pensa e em como se explicitar esse pensamento. Narração em off e diálogos costumam ser muletas para que a trama caminhe de forma minimamente satisfatória – apesar de dificilmente ser o desenrolar ideal. Para isto, é necessário um centro dramático forte, ancorado na mais clara linguagem audiovisual. “Eu Te Levo”, primeiro longa como diretor do roteirista Marcelo Müller, tem uma boa proposta temática. Que se perde na impossibilidade de se filmar um diálogo interno do protagonista.

A ideia central é parear dois personagens que pouco tem em comum além de sonhos idealizados. Moradores de Jundiaí, no interior paulistano, Rogério (Anderson Di Rizzi) e Cris (Giovanni Gallo) compartilham o mesmo trajeto diariamente até São Paulo. O mais velho, em plena crise dos 30, faz um curso para virar PM com o desejo de ser bombeiro, mas em casa finge estudar para ser encanador. O mais jovem, no fim da adolescência, finge estudar em um cursinho que visa aprovação em Medicina, enquanto passa os dias em um ambiente de coletividade artística, por assim dizer. As mentiras geram uma cumplicidade e a repulsa mútua vai desvanecendo.

O aspecto familiar funciona como um peso, que ancora a vida dos protagonistas

Müller, no entanto, prefere não estruturar a obra de uma forma espelhada. O foco segue em Rogério, que se vê dividido entre uma juventude cheia de energia, obrigações familiares, o desejo de entrar para o Corpo de Bombeiros e o temor da aproximação de uma estrutura militarizada como a PM. O outro lado, o de Cris, era até mais interessante, cercado de utopias, bichos-grilo e diversidade. Ficamos apenas como o preto-e-branco da fotografia do longa.

A interessante decisão de uma cinematografia em escala de cinza tem seus méritos. Situa “Eu Te Levo” entre o passado de Rogério em uma banda punk com o “coxinha” irmão de Cris, e o presente, prestes a entrar na PM. Só que, ao mesmo tempo, soa como se fosse uma história atemporal, em vez de ressaltar a relevância política atual dos temas tratados. Paralelamente, o preto e o branco acabam sublinhando as características mais maniqueístas do discurso do roteiro, que contrapõe arte e forças armadas, impondo entre as duas um juízo de valor. Acaba que, pesadas as diferentes interpretações, a fotografia soa mais como recurso estético do que como imagem sensível.

“Eu Te Levo” traz consigo bons contextos e até raros momentos de humor efetivos, que trazem uma leveza numa obra que parece ter mais do que seus 82 minutos. Só que parece faltar algo, uma forma mais robusta de se encarar os dilemas, que são postos de forma discursada. Existe ainda todo um background de Cris e mesmo de Rogério que é tratada de forma difusa, pouco clara no objetivo de adicionar tridimensionalidade aos personagens. A relação do mais jovem com os pais é escondida; os dilemas do mais velho com a mãe são confusos. A sensação final é que “Eu Te Levo” traz em si um bom ponto de partida e uma conclusão satisfatória, mas com um miolo que deixa muito a desejar.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 3/8

Ficha técnica
Eu Te Levo (BRA, 2017), de Marcelo Müller. Drama. 82 minutos. Com Anderson Di Rizzi e Rosi Campos.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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