Poucos protagonistas do cinema de ação/aventura em Hollywood têm uma jornada tão honesta, difícil e heroica como a de Caesar (Andy Serkis), protagonista da agora trilogia “Planeta dos Macacos” (2011 – 2017). Líder de uma comunidade de símios, o chimpanzé tenta equilibrar o carinho que tinha por seu dono com a necessidade de proteção da irmandade dos primatas. Se em “Planeta dos Macacos: O Confronto” (2014), Caesar via o conflito nascer do coração da própria família, neste “Planeta dos Macacos: A Guerra”, também de Matt Reeves, o líder símio precisa fazer frente ao implacável instinto de sobrevivência dos seres humanos.

O Caesar de Andy Serkis ancora toda a trama mais uma vez

Em uma clara escalada de ritmo, a nova versão da franquia baseada no romance lançado pelo francês Pierre Boulle em 1963, a relação entre humanos e símios refletem a forma como os homens tratam uns aos outros. Já na primeira obra da trilogia, “Planeta dos Macacos: A Origem” (2011), Caesar demonstra todos os valores dados como humanos pouco após conseguir desenvolver totalmente a capacidade de raciocínio. Em “O Confronto”, o bonobo Koba (Toby Kebbell) mostra o outro lado desta nova humanidade entre os símios: a crueldade. Naquele que é o melhor da franquia, Matt Reeves entrepunha reações agressivas motivadas pelo medo protagonizadas tanto pelos “macacos” quanto pelos poucos humanos que sobreviveram ao surto de um vírus que dizimou quase toda a espécie.

Por outro lado, “O Confronto” propunha a confiança entre Caesar e Malcolm (Jason Clarke). O primeiro ato de “A Guerra” toma o caminho diametralmente oposto. Após um breve conflito em que o líder símio mostra clemência, Caesar acaba vendo sua benevolência sendo punida por um ataque do implacável Coronel (Woody Harrelson). Em busca de vingança, o líder despacha seu grupo para um lugar que acredita seguro e parte, ao lado do chimpanzé Rocket, do orangotango Maurice e do gorila Luca. Tomado pelo ódio, Caesar carrega consigo também a memória de Koba, que matou ao final do filme anterior.

Não é todo dia que se vê um orangotango, um gorila e um bonobo andando a cavalo

Há um grupo destacada, ao qual se junta ainda “Macaco mau” (Steve Zahn) e uma garotinha que não consegue falar, mas o centro da trama são Caesar, Coronel e seus respectivos séquitos. Por mais opostos que pareçam em suas atitudes, os dois são como figuras messiânicas para seus seguidores. Para sublinhar esse fato, aliás, o personagem humano chega a fazer gestos cristãos, que se soma ao ultranacionalismo norte-americano e culto aos símbolos da nação. Caesar, por sua vez, é respeitado pelo histórico e pelo fato de ser o líder da “revolução” dos símios. Foi ele quem primeiro buscou a união entre os macacos e foi ele quem usou a tecnologia megalomaníaca humana para ultradesenvolver a inteligência de seus iguais.

Pouco discretamente, Coronel surge como analogia ao nacionalismo norte-americano. Para se proteger de inimigos externos, ele pretende construir um enorme muro – base retórica do “trumpismo”, referente ao presidente dos EUA, Donald Trump. Com os humanos emparedados pela epidemia que dizimou a espécie, Coronel reconhece a superioridade dos símios: intelectualmente parecidos, fisicamente superiores e muito mais adaptados a uma vida longe da tecnologia. “Planeta dos Macacos: A Guerra” é mais um filme sobre adaptação a um novo contexto do que um longa de guerra em si. Para muitos, o que fez dos humanos os donos do mundo foi a capacidade de se adaptar e, ali, os símios parecem bem mais preparados para sobreviver. Até por isso, a opção central da trama é ser muito mais um filme de fuga de prisão do que com conflito armado.

Apesar de divertido, o chimpanzé Macaco Mau destoa como alívio cômico desnecessário

Como já virou rotina, Andy Serkis é quem ancora todo o filme. Com uma atuação pautada na captura de movimentos, o ator consegue trazer uma série de nuances na expressão do bondoso e sisudo líder primata. A expressão corporal, com o tronco levantado em postura imponente, marca a força de um personagem que surge cada vez mais cansado. Existe um peso ali; a família, os conflitos internos, a guerra que nunca acaba. Um norte ético para qualquer humano, Caesar é um personagem rico e, como se prova em “A Guerra”, passível de falhas. O filme é uma homenagem a um legado que o protagonista vem criando, cementando uma humanidade em seres considerados irracionais até 15 anos antes. De certa forma, com sua luta, coragem e resiliência, Caesar é o que se defende como o próximo passo para a evolução humana. E, em um gostoso paradoxo, é de uma espécie que compartilha conosco um ancestral. O filme perde a força aos pouco, o que, de qualquer forma, surge como metáfora para a própria trajetória do protagonista.

“Planeta dos Macacos: A Guerra” tem muito peso. Ao mesmo tempo, alguma gordura, alguns excessos para queimar. Há um humor excessivo que não cabe; há um excesso de falatória símio que soa pouco orgânico. Falta embate, uma guerra em si. O filme, em suma, não é preciso em sua mensagem como os antecessores. É um filme que olha mais para fora de si, para o contexto político do “mundo real”, do que para seu espaço ficcional. Mas o olhar sobre o legado de Caesar cai bem tanto para a lógica pós-apocalipse símio, quanto para nosso mundo pós-Trump.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 5/8.

Ficha técnica
Planeta dos Macacos: A Guerra
(War for the Planet of the Apes, EUA, 2017), de Matt Reeves. Ação. 140 minutos.

About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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