“Liga da Justiça” é uma prova de que a DC Comics/Warner lê críticas. Há anos construindo um universo cinematográfico estendido de forma apressada e sem profundidade, o estúdio se acostumou a resultados mornos desde o caótico “O Homem de Aço” (2013), de Zack Snyder, que iniciou o processo. A maior aposta, “Batman vs. Superman – A Origem da Justiça” (2016) muito ousou e pouco acertou. Já “Esquadrão Suicida” (2016) prova que qualquer obra baseada em quadrinhos Marvel ou DC pode ser um sucesso comercial: chamar o filme de terrível é um eufemismo. “Liga da Justiça”, por outro lado, é mais “Mulher-Maravilha” (2017) e menos “Batman vs.Superman”. É tradicional, narrativamente bem desenvolvido, sem arroubos de genialidade, mas sem ofender a inteligência de quem vê. É, em suma, um filme de super-herói satisfatório.

Claro que falamos de um mercado cada vez mais supersaturado. O que diferencia “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” (Sony/Marvel), “Thor: Ragnarok” (Marvel) e “Liga da Justiça” (DC/Warner)? Todos de 2017, todos recheados de humor e ação, todos preocupados em construir a profundidade do protagonista, todos com vilões meio unidimensionais (o Abutre, do Homem-Aranha, até se sobressai). O que faz de um filme bom ou ruim é a disposição de quem vê. São filmes manufaturados para não ofender. E são todos bastante eficientes nisso.

Arthur Curry/Aquaman (Jason Momoa), Diana Prince/Mulher-Maravilha (Gal Gadot) e Victor Stone/Ciborgue (Ray Fisher)

É nesse contexto que “Batman vs. Superman” ganha até força na memória. Apesar de ser construído de forma descuidada, de ser recheado de diálogos expositivos, de não trabalhar as motivações de qualquer personagem, o filme de Zack Snyder tentava criar algo de novo, em vez de apostar na “fórmula Marvel”, efetiva desde 2008 (ano de lançamento de “Homem de Ferro”) no estúdio concorrente. A atmosfera soturna pode ser excessiva, mas há ali um dilema sobre o poder de um deus na Terra que podia ser bem desenrolado. E esse mesmo deus é morto ao final – uma virada de trama forte, ainda que bem óbvia para quem acompanhou quadrinhos.

Pois bem, nesse novo caminho pastiche da Marvel, a DC/Warner constrói em “Liga da Justiça” uma obra até menos memorável que “Batman vs. Superman”. Mas um filme bem melhor. O roteiro, de Chris Terrio e Zack Snyder, com um tapa geral de Joss Whedon, consegue expor de forma clara, até didática os dilemas dos cinco membros originais da versão cinematográfica do supergrupo. Batman (Ben Affleck) e a dificuldade/necessidade de lidar com os outros; Mulher-Maravilha (Gal Gadot) e a culpa de alguém que se fechou para o mundo após sofrer uma perda, Flash (Ezra Miller), preso por uma situação sem correção e que acaba retardando o amadurecer; Aquaman (Jason Momoa), o filho pródigo de Atlantis; e Ciborgue (Ray Fisher), que não sabe o limite das próprias tecnologia e humanidade. É um elenco de personagens ricos.

Barry Allen/Flash (Ezra Miller), Bruce Wayne/Batman (Ben Affleck) e Diana Prince

A trama não tem lá nenhum segredo. Após a morte do Superman, a Terra está mais vulnerável ao terror. A ameaça global da vez é o Lobo da Estepe (Ciarán Hinds), que quer reunir três artefatos chamados de “Caixas Maternas” para liberar um poder destrutivo, evitado há milênios em uma guerra que envolveu amazonas, atlantes, homens e deuses. Relutantemente, Mulher-Maravilha, Batman, Flash, Aquaman e Ciborgue decidem atuar juntos. Mas talvez os cinco superseres não sejam suficientes.

Criticada pelo excesso de seriedade, a DC/Warner dessa vez se vaticinou com o humor, no melhor estilo bobo da Marvel. Exagerada como sempre, ela aposta em mais de um “alívio cômico”. Flash é meio que o fã de quadrinhos que entra na Liga da Justiça, assim como o Homem-Aranha de “Capitão América: Guerra Civil”. É piada a cada esquina – o que funciona, já que Ezra Miller é, facilmente, o mais versátil do elenco. Quem sobra mais é o Batman de Ben Affleck, que tenta rebolar na comédia, mas não tem lá muito jogo de cintura. O personagem, aliás, destoa da trama infantil, acessível de “Liga da Justiça”. Tem muito Cavaleiro das Trevas e pouco Batman psicodélico dos anos 1960 (aquele, do Adam West). A contraparte do homem-morcego, por outro lado, é um gol de placa.

Henry Cavill tem um #lindorosto, apesar de ser um ator tão limitado

Em “O Homem de Aço”, Clark Kent/Superman (Henry Cavill) não via problema em destruir uma cidade para salvá-la ou quebrar o pescoço de um vilão. Em “Liga da Justiça”, o mesmo personagem é capaz de interromper uma essencial luta contra um vilão para salvar uma dezenas de pessoas. Como bem define Bruce Wayne/Batman, o kryptoniano de poder divino é o mais humano dos super-heróis – e é isso que faz do Superman um personagem incrível. Ele, que escolheu ser humano. No novo filme, sua volta pode ser meio simplista e até soa repetido fazer com que ele lute contra seus amigos (outra vez). Mas “Liga da Justiça” entende o Superman por seu ideal, pelo que ele representa. Faz jus a um personagem que foi tão maltratado nos filmes anteriores. Limitado, Henry Cavill não consegue se livrar do ar de superioridade vendida nas obras anteriores, mas, ainda assim, não compromete a curva do Super.

Apesar da adição de três novos super-heróis, “Liga da Justiça” se mantém didático, palpável em sua infantilidade. É construído para um público que já ama aquele universo e exige muito dele. Promete agradar, o que não é lá um pecado. Antigos pecados continuam incólumes. Vilões unidimensionais, desenvolvimento apressado, cenas de ação com um número insano de planos e cortes. Só que a DC/Warner aprendeu com “Mulher-Maravilha” que pode engatinhar antes de correr. Em vez de inovações de cara, pode tentar o feijãozinho com arroz gostoso e esquecível. Não é coincidência que o ápice de “Liga da Justiça” se passe em uma espécie de Chernobyl, em vez de Metrópolis ou Gotham. A DC/Warner aprendeu com os erros, ouviu as críticas e, finalmente, entendeu que falar de super-heróis também é discutir consequências. Agora que passamos pelo básico, resta ousar cada vez mais.

P.S.: O filme tem duas cenas pós-créditos. As duas não fazem lá muita diferença.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 5/8

Ficha técnica
Liga da Justiça
(Justice League, EUA, 2017), de Zack Snyder. Aventura. 121 minutos. 12 anos. Com Ben Affleck, Gal Gadot e Henry Cavill.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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