A noite prometia entrar para a história dos cearenses fãs de rock e música brasileira. Afinal, na última quinta-feira, seria a primeira vez em mais de 40 anos de história que os paulistas dos Mutantes iriam montar seu circo musical em terras alencarinas. O show era o encerramento do primeiro dia do Festival das Juventudes, evento que acontece até amanhã no Clube Cofeco, em Sabiaguaba.

Formada nos anos 1960 por Sérgio Dias, Arnaldo Baptista, Rita Lee, Liminha e Dinho Leme, o grupo fez história por dar unidade às várias correntes musicais que existiam na época, passando por samba, MPB, Tropicalismo, rock e o que mais viesse. Criativos e engraçados, eles acompanharam a nata da música brasileira, de Caetano, Gil a Nana Caymmi, nos festivais de música. Também marcantes eram os figurinos, o som e a magia do quinteto que viveu muito bem a loucura e a lisergia da era Woodstock.

Mesmo trazendo a Fortaleza uma nova formação, sem dois dos principais nomes, Rita e Arnaldo, a expectativa do público era por, enfim, conseguir assistir ao vivo aquele importante capítulo da nossa música. Pena que, para chegar a tanto, fosse preciso caminhar um pedaço considerável e deserto na areia da praia até chegar ao palco localizado num espaço aberto, iluminado apenas pelas luzes do palco e onde, cedo, faltou água e cerveja. As poucas barraquinhas que haviam vendiam exclusivamente caipirinhas, caipiroskas e kapetas.

Programados para começar às 23h, os Mutantes só deram início aos trabalhos duas horas depois. Vestindo um hilário pijama branco, o guitarrista Sérgio Dias entrou no palco ao som de Dom Quixote, faixa de abertura do disco de 1969. Com ele, Fábio Recco (teclado e vocal), Henrique Peters (teclado e vocal), Vinicius Junqueira (baixo), Vitor Trida (cordas, sopros e vocal) e Dinho Leme, baterista da formação oroginal. “Estou com uma gripe do cão”, disse Sérgio desculpando-se. Logo no começo, ficou claro que o som não estava à altura dos músicos que ali se apresentavam. Falhas, ruídos e outros problemas apareciam e sumiam a cada número. Felizmente, na hora de Cantor de mambo, quando Sérgio decidiu mostrar porque é considerado um dos melhores guitarristas brasileiros, o som mostrou-se impecavelmente comportado.

A vocalista Bia Mendes, toda de preto e com longos cabelos loiros, foi apresentada por Sérgio na hora de Baby, cantada, acertadamente, em português. Pausa para tentar resolver um problema no violão, mas não houve jeito e a música teve que ser executada na guitarra mesmo. Dona de uma bela afinação e de um belo timbre, Bia deu conta do recado embora ainda se mostrasse pouco a vontade no papel de bandleader. Os demais músicos, foram apresentados na canção seguinte, A minha menina, quando Sérgio cometeu a gafe da noite dizendo: “Pernambuco, vou agora apresentar os músicos”. Era a segunda vez que ele confundia o lugar onde estava.

Do disco novo, Haih ou Amortecedor, programado para ser lançado no Brasil ainda este mês, eles tocaram Querida querida, 2000 e agarrum e Bagdá blues, todas recebidas com comedida aprovação. Em seguida, veio um balaio de hits com Jardim elétrico, Top top, Balada do louco e Ando meio desligado. No bis, Batmacumba e uma versão estendida de Panis et circensis. Luzes apagadas, longa caminhada e o público pode ir entre a satisfação de ter presenciado aquele momento e vontade de rever a banda em melhores condições.

Set list:

1. Dom Quixote (Arnaldo Baptista/ Rita Lee)

2. Caminhante noturno (Arnaldo Baptista/ Rita Lee)

3. Technicolor (Arnaldo Baptista/ Rita Lee/ Sérgio Dias)

4. Cantor de mambo (Arnaldo Baptista/ Rita Lee/ Élcio Decário)

5. Baby (Caetano Veloso)

6. A minha menina (Jorge Ben Jor)

7. Querida querida  (Sérgio Dias/ Tom Zé)

8. 2000 e agarrum (Sérgio Dias/ Tom Zé)

9. Bagdá blues (Sérgio Dias/ Tom Zé)

10. Jardim elétrico (Arnaldo Baptista/ Rita Lee/ Sérgio Dias)

11. Top top (Arnaldo Baptista/ Rita Lee/ Sérgio Dias/ Liminha)

12. El justiciero (Arnaldo Baptista/ Rita Lee/ Sérgio Dias)

13. Balada do louco (Arnaldo Baptista/ Rita Lee)

14. Ando meio desligado (Arnaldo Baptista/ Rita Lee/ Sérgio Dias)

15. A hora e a vez do cabelo nascer (Arnaldo Baptista/ Rita Lee/ Sérgio Dias/ Liminha)

Bis:

1. Batmacumba (Caetano Veloso/ Gilberto Gil)

2. Panis et circenses (Caetano Veloso/ Gilberto Gil)

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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