Eduardo Lincoln Barbosa de Sabóia nasceu em Fortaleza, Ceará, em 31 de maio de 1932. Ex-redator e revisor do “Jornal do Povo”, aos 19 anos mandou-se para o Rio de Janeiro onde começou a tocar contrabaixo em diversos bares até trocar este instrumento pelo piano e órgão elétrico. Ao lado de companheiros de ofício como Luiz Eça, Dick Farney e Wilson das Neves, o jovem artista, agora batizado Ed Lincoln, animava as pistas com o seu estilo balançado de tocar. Misturando o que sabia de sambas e jazz, ele criou nos anos 60 uma banda de baile feita sob medida para os amantes da boa música e, com ela, acompanhou um certo crooner de voz grave e aveludada. Seu nome, Emílio Santiago. Intérprete primoroso que está completando 40 anos de carreira, Emílio decidiu relembrar seus tempos de sambalanço e homenagear o amigo Ed lançando Só danço samba (Universal).

Cheio de ritmo e elegância, o cantor desfile 16 canções (três em pot pourri) entre clássicos bossanovísticos e sambas priorizando compositores da velha guarda. A exceção fica com a ótima interpretação de Chega, de Mart’nália e Mombaça, que ganhou um ritmo irresistível pela percussão de Paulo Braga, Pirulito e Zé Leal. Só danço samba é o primeiro lançamento do seu selo Santiago Music o que, com mais liberdade, inaugura uma nova fase da carreira de Emílio, bem diferente do quem o conheceu na época das Aquarelas Brasileiras. “As Aquarelas, sem dúvidas nenhuma, foi o que mais deu dinheiro e prêmios”, lembra o cantor, por telefone, sobre o projeto iniciado por sugestão de Roberto Menescal e que rendeu sete volumes. “Eu não queria”, continua. “Não tava com vontade de gravar naquele momento. Mas o Menescal me convenceu e dizia ‘você vai se mostrar pra o mundo’”.

As Aquarelas, lançadas entre 1988 e 1995, eram marcadas por um repertório bem popular e populista, quase nada inédito, amarrado por bons arranjos, embora pouco ousados, e cheio de pot pourris. Poucas heranças ficaram do período como Tudo que se quer (em dueto com Verônica Sabino), Verdade chinesa e Saigon. “Foi um sucesso retumbante. É coisa de cantor brasileiro, querendo imitar os cantores americanos. Tinha me enchido de dinheiro, já não devia mais nada. Fiquei mais à vontade e culminou agora neste meu selo, não sei se pra corrigir ou pra me liberar”.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=txZpzIDE7oY[/youtube]

Emílio Santiago e Leny Andrade gravando o disco Casa de Bossa (1997)

Importante lembrar que, antes das Aquarelas, Emílio Santiago já tinha lançado mais de 10 discos. Sua estreia, em 1975 (CID), que traz apenas seu nome no título, já chama a atenção pelos teclados de João Donato e pela voz sempre afinada do cantor. Pelo menos dois destaques, Bananeira traz Donato bem influenciado pela black music e lembra muito Superstition, de Stevie Wonder; e Brother é um manifesto negro de Jorge Ben que casou bem no disco. Há ainda a bela Porque somos iguais (Pedro Camargo e Durval Ferreira) e a ressentida Batendo a porta (Paulo César Pinheiro e João Nogueira). “Amo esse primeiro disco. É uma estreia cheia modernidade, parece que foi feito ontem. Acho bom relança-lo, ainda mis quando você consegue alcançar seus objetivos”.

Em termos de lançamento de repertório, novidades, Só danço samba acrescenta pouco ao repertório brasileiro. Ele pega, de fato, é no canto mais solto de Emílio (que já vinha sendo sentido desde que lançou Bossa Nova, em 2000, passando pelo ótimo duo com João Donato em 2003, e cristalizando em De um jeito diferente, de 2006) e no ritmo que marca faixa a faixa do disco. “Eu queria um disco bem dançante. Estou muito feliz porque foi feito pra relembrar as épocas dos bailes. As músicas e as letras eram muito bem feitas. É pra curtir com whisky”, brinca Emílio que agora pede um lugar nas casas pras pessoas dançarem. Ele lembra também que o próprio Ed Lincoln, que era dono da única banda de baile com canções próprias, aprovou o resultado do disco.

 

Crédito: Rita Villani

Só danço samba, produzido por José Milton, abre com a canção título, de Tom e Vinícius, emendando com Olhou pra mim, de Lincoln e Sílvio César. O banho de suingue de Emílio segue em Tendência, de Ivone Lara e Jorge Aragão, que tem uma bela letra de amor acabado. Pescada do disco Continuidade (1980), de Antônio Adolfo, A cada dia que passa é um manifesto político pesado, coisa rara na voz de Emílio. “Ficam as pessoas aflitas sem direção/ Passando fome e a preguiça/ Cede ao dragão/ Tudo passa tudo fica sem solução”, diz a letra. Emílio Santiago e Ed Lincoln se conheceram por intermédio de Djalma Ferreira que também comparece em Só danço samba com Confissão, parceria sua com Luiz Bandeira. Espécie de manifesto ou texto explicativo do disco, a faixa Influência do Jazz, de Carlos Lyra, cai como uma luva num repertório bem influenciado pelas big bands jazzísticas. Para encerrar em alto nível, um pot-pourri de scats dançantes com Zum Zum Zum, Vou rir de você e Na onda do berimbau.

Emílio Santiago não economiza ao demonstrar satisfação em sua nova fase, onde inclui a abertura do seu selo. “Fico mais livre pra criar projetos que me veem à mente. A partir de agora posso fazer só com violão ou piano”. E quanto ao que espera do novo disco, o tom se mantém: “Quero que dê bons resultados, inclusive financeiros, por que queria fazer outros discos. Eu quero que seja um sucesso”.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles