A primeira coisa que me veio à cabeça ao ouvir o novo disco de Silvia Machetefoi que eu estava diante de alguém inteligente. Extravaganza (Coqueiro Verde) foi lançado há pouco tempo e traz na capa uma imagem com um par de pernas cobertas por uma floresta. Curioso num primeiro momento e coerente com o título. Aliás, chamar atenção pela extravagância é com ela mesma. Vide seus clipes e os shows onde ela chega a rodar bambolê no palco. Enfim, a tal inteligência parte dessa ideia de combinar o exotismo com um repertório primoroso que já se mostra desde seu primeiro trabalho, Bomb of love, de 2006. Ou seja, Silvia Machetenão é artista para fãs preguiçosos, é preciso mergulhar fundo em referências, curiosidades e ideias. Como se já não bastasse ela ser boa compositora e se arrodear de pessoas do quilate de Erasmo Carlose Rubinho Jacobina, Silvia ainda canta com uma afinação sedutora. Inteligente também ao cavar fundo o poço da MPB pra retirar algumas pérolas que andavam bem escondidas. Em Extravaganza, me refiro a Manjar de reis, uma das melhores faixas de Eu não peço desculpas, bom disco de Caetano Veloso e Jorge Mautner lançado em 2002. Ou em Noite torta do sempre necessário Itamar Assumpção (1949 – 2003) que escreve “sozinha nesta cozinha, em pé eu tomo café, na pia a louça suja me lembra da roupa suja no tanque que a vida é”. O mestre Erasmo Carlos, outro sempre necessário, faz parceria com Silvia em Feminino frágil e repete sua contribuição à cantora que já havia lhe regravado a hippie Gente aberta em Bomb of love. Com latinidad, Silvia encarna sua Célia Cruz em Tropical extravaganza, de Fabiano Krieger, e versa para o português Como la cigarra, de Maria Elena Walsh famosa na voz de Mercedes Sosa . O hino à liberdade vira A cigarra. Pra quem já anunciou que “Toda bêbada canta”, agora, em Fim de festa, também de Krieger, ela volta ao tema boemia e explica pra que serve a música. No quesito curiosidades, há ainda Underneath the mango tree, de Monty Norman, tema do James Bond em 1962, e a erótica O baixo, emoldurada apenas pela bateria de Domenico Lancellotti e pelo baixo acústico de Alberto Continentino. Esta última ainda pode ser ouvida em sequência com 2 hot 2 b romantic, que fala do mesmo assunto, mas em outo tom. Mas curiosidade é algo que não falta na curta carreira desta carioca de 34 anos que já gravou, Guns’n’Roses, Cindy Laupere Beatles, e ainda é cantora, compositora, malabarista e trapezista. E, repito, tudo com coerência e inteligência.
Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.