Através da janela, a imagem de um Rio de Janeiro cinzento, em fim de tarde, encharcado pelas chuvas. A ampla sala de estar toma um clima bucólico. Sentado num confortável sofá, pernas esticadas sobre uma mesinha de centro, telefone na orelha, Nando Reis, de óculos escuros, conversa com a imprensa. Nem sei se o cenário era exatamente esse. Um ou outro elemento pode ser falso, mas essa foi a impressão que passou dado clima descontraído e largado adotado pelo compositor paulista numa entrevista sobre o seu Bailão do Ruivão. Disco gravado com o carimbo Ao Vivo MTV e lançado no ano passado, O Bailão do Ruivão é uma seleção de 21 hits alheios que vão de Dorgival Dantas a Bob Marley, passando por um certo octeto paulista que fez muito sucesso com Bichos escrotos.

Se uns acham que Nando deu um tiro no pé, para outros o disco é corajoso e festivo. “Cara, tô cagando pra repercussão. Faço as coisas pra me satisfazer, sinceramente”, manda ele em tom nada ameno. Nando conta que a seleção das faixas do Bailão foi baseada em suas próprias memórias, canções que ele gostava de ouvir, mais sugestões dos Infernais, banda que acompanha já há alguns anos. Numa avaliação faixa-a-faixa, ele diz que Vênus, hit setentista do Shocking Blues, é “do caralho”; Chorando se Foi, lambada de sucesso da banda Kaoma, “é maravilhosa”; Lindo Balão Azul “retrata, resume tudo. É épica e infantil é o cara que acha que essa é infantil”; já Você não vale nada mas eu gosto de você foi sugestão do guitarrista Carlos Pontual e Nando confessa que não consegue cantá-la no show. Para gravá-la, diz ele, teve que juntar com Severina Xique Xique, forró lendário do mestre Genival Lacerda. “Eu faço parte de uma banda e nós temos uma relação tão boa e desenvolvida que, claro, eu ouço opiniões deles sobre o repertório. Acatei”, explica e complementa, “todas elas têm melodias que eu penso ‘queria ter feito essa música’”.

Quanto à repercussão que o trabalho vem tendo, o artista demonstra toda a sua tranquilidade diante das diversas opiniões. “As vendas estão indo muito bem e os leitores do Globo colocaram como o melhor disco do ano”. Já a crítica… “a crítica do Brasil é infame, pior do que juiz de futebol. Um bando de recalcados que falam mal de tudo”. Por fim, os shows (esta entrevista aconteceu antes dos shows no Ceará): “É engraçado. As pessoas ficam perguntado, mas os shows que eu estruturei mistura meu próprio repertório com músicas do Bailão. Mas, nesse tipo de evento (aberto e gratuito), eu tenho cuidado porque menos me importa divulgar um produto do que divertir as pessoas que estão ali”. Mas como tem sido os shows? “Toquei no Planeta Atlândida e rolou críticas por que eu não toquei muito o Bailão, mas não dá pra tocar um produto engessado, principalmente enquanto o palco ta girando”. E o palco girava?! “O palco girava 360º. Eles devem ter copiado do U2 e U2 é uma merda”. U2 é uma merda?! “Eles têm boas melodias. O Bono, apesar de ser um imbecil… Até o Jack White, que é um pivete pretensioso, parece tocar melhor que o The Edge”.

Quanto ao Ceará, suas primeiras lembranças são curiosas. “Canoa  Quebrada eu fui quando tinha uns 15 anos e fumava uns 15 baseados por dia”. Voltando aos palcos, ele aproveita e faz uma ressalva: “eu gosto de tocar em lugar pequeno”. Assim sendo, como foi a gravação do Bailão no Carioca Club (SP)? Dá pra lembrar a reação das pessoas diante do repertório? “Posso confessar, na verdade eu estava muito concentrado na gravação. Tinha muita coisa sem decorar, em inglês então… Não posso dizer que eu tive uma percepção da reação da plateia”. Gravado nos dias 10 e 11 de agosto de 2010, a maior parte do que se vê no DVD foi tirado da segunda noite que teve um público maior. Um dos motivos para a preferência pelos shows mais intimistas está na sua confessa timidez. “Não gosto de falar ‘e aí galera’. Sou tímido pra caralho, por isso tenho que tomar duas ou três doses de whisky antes de subir no palco. Parece um contra senso, mas eu sou”.

Boa parte das influências musicais de Nando Reis foram reveladas ao longo dos seus 30 anos de carreira e, mais ainda, neste Bailão do Ruivão. Mas, claro, nem tudo está ali. Se revelando um refinado conhecedor dos sons mais antigos (os melhores, verdade seja dita), o bardo começa anunciando que já tem duas semanas que só ouve Janis Joplin e aproveita pra colocar a voz rasgada e sofrida da diva pra cantar Move Over no seu toca discos (LP mesmo). “Tava ouvindo antes de ligar pra você. O (disco) Kozmic blues é o melhor”, diz depois de soltar um suspiro de quem se transporta pra outros mundos quando ouve os berros de Janis. “O refrão do Segundo Sol é totalmente inspirada em Kozmic Blues”, revela antes de fazer uma declaração de amor à roqueira falecida há 40 anos: “ela é a não bela mais linda que existe”.

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Para além de Janis, Nando Reis viaja no tempo quando bota o prato da sua vitrola (mesmo) pra girar e pára principalmente nas lendas da soul music. “Acabei de ouvir do Donny Hathaway o disco Live (1972), e depois Bill Withers. Também estava ouvindo o Curtis Mayfield, conhece?”. Sim. “Põe na sua lista o disco Curtis Live (1971). Quando eu ouvi que ele morreu (em dezembro de 1999) eu chorei. Chorei com ele e com o Bob Marley (em maio de 1981)”. E aumenta o volume agora com Janis cantando Try. “Meus vizinhos vão me expulsar…” Mais alguma sugestão, Nando? “Você já ouviu Neil Young?”. Pouca coisa. “Qual é sua idade?”. 31. “Pois eu tenho 131. Faça o seguinte ouça Everybody knows this is nowhere (1969) e After the gold rush (1970) e esquece tudo que eu falei”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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