A fala arrastada acompanha o ritmo do seu samba. “Pra mim não tem afobação. Tem que ser devagar, devagarinho”, afirma Martinho da Vila. Carioca de Duas Barras, Martinho José Ferreira dedicou uma boa parte dos seus 73 anos ao samba. E é com essa autoridade que ele vai subir segunda-feira (07) ao palco montado no aterrinho da Praia de Iracema para fazer o Carnaval de Fortaleza. Além dele, D2, Cidadão Instigado, As Chicas, Zé Renato, Roberta Sá, Fino Coletivo, Samba de Rainha e Teresa Cristina mostrarão sua música por aqui.

Simpático, brincalhão e com um jeito malandro na voz, Martinho da Vila não se fez de rogado na hora de atender a ligação do Jornal O POVO para falar sobre o seu show em Fortaleza. “Uma das coisas que mais gosto de fazer no Carnaval é o que eu vou fazer aí: cantar. E só vou quando é um lugar legal”, adianta já pra colocar o público no seu bolso. Apesar da sua cadência ao falar, mesmo compasso que usa no viver, ele aproveitou bem o tempo da entrevista para falar sobre novos cantores, ABL, homenagens e ainda pediu uma sugestão de praia pra ir depois dos shows. “Sempre que vou a algum lugar, aproveito pra passar alguns dias. E, esse ano, ainda vou com a minha mulher”.

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O POVO – Queria que você começasse falando sobre sua relação com o Carnaval.

Martinho da Vila – Uma das coisas que eu gosto no Carnaval é o que eu vou fazer aí: cantar. Quando eu canto eu me divirto e ainda divertir as pessoas. Eu gosto de trabalhar. Recebo muitas propostas para viajar nesse período, fazer shows, mas só vou quando é um lugar legal, como é aí em Fortaleza. Vamos fazer uma festança.

O POVO – É assim que você normalmente passa o Carnaval?

Martinho – Faço somente um show no Carnaval. Sempre tem um dia que desfilo na Vila Isabel. Esse ano vai ser mais apertado. Sempre gosto de ficar uns dias antes na cidade onde vou fazer show, mas esse ano a Vila desfila no domingo. Ou seja, vou ter que chegar aí na segunda-feira de manhã. Mas, aí, fico mais uns dias depois.

O POVO – Uma das críticas que faz nesse período é quanto à mercantilização do Carnaval carioca. O que você acha disso?

Martinho – Aqui não é muito assim, não. A Bahia é mais. O Carnaval daqui é o desfile das escolas de samba, do primeiro grupo. Aí é um pouco mais complicado. Tem camarotes que servem jantares que… (interrompe rindo). Mas tem arquibancadas com setor que é gratuito. Agora, fora disso, o Carnaval de rua ta bastante forte. Surgiram muitos blocos e muitas bandas. Tem o bloco da Kizomba, que é o meu pessoal que toma conta, a Mart’nália, a Analimar (filhas de Martinho). Tem também o bloco do Boi Tatá.

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O POVO – A primeira atração do Carnaval de Fortaleza vai ser o Marcelo D2, que vem fazendo uma mistura de rap com samba. O que você acha dessas misturas?

Martinho – Olha… Misturar não é ruim não. Não pode é fazer uma coisa que tira totalmente a essência. Um forró, por exemplo, pode ser feito muita coisa usando outros instrumentos. Quanto ao D2, ele é do Andaraí que é uma área de samba, perto da Vila Isabel. Ele foi um tempo do “Planeta Hemp”, que tinha um som mais pesado, mas conhece o negócio.

O POVO – Você mesmo já pensou em gravar um disco com outros estilos, como Bossa Nova? O que mais gosta e escutar?

Martinho – Acontece que tudo que eu faço parece um samba, mas já gravei quase todos os ritmos. O que não gosto de ouvir é música mal produzida. Acho que o ouvido acostuma com um som de boa qualidade.

O POVO – E quem da nova geração de sambistas lhe chama a atenção?

Martinho – Olha, a melhor de todas que surgiu foi a Mart’nália (gargalha). E só digo isso por que é boa mesmo (mais gargalhadas). Só por isso. Mas tem a Aline Calixto, Maria Rita. Não é tão novo, mas surgiu também o Dudu Nobre, Diogo Nogueira, filho do João Nogueira (1941-2000), que tá com a maior força. Acho que o samba nem agoniza.

O POVO – Além de músico, você também é escritor (Martinho tem 10 livros publicados) e foi indicado para a Academia Brasileira de Letras, em 2010. Como foi receber essa indicação?

Martinho – Eu gosto de escrever. O pessoal da academia me corteja. Conheço o pessoal e eles demonstram que gostam de mim, mas parece que não me quiseram por lá.

O POVO – Parece que você também não queria muito.

Martinho – Também não (rindo).

O POVO – Essa indicação para a ABL foi uma das muitas homenagens que você já recebeu. Alguma foi mais especial?

Martinho – Qualquer homenagem que uma pessoa faz pra mim, eu dou o mesmo valor. Tenho muitas medalhas, troféus, placas. Mas tem lugar que me dão um troféu pequenininho, mas que é dado de uma forma tão boa. Também recebi o prêmio de melhor cantor de 2010, dado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) que tem uns nomes importantes. É bom.

O POVO – Por falar em homenagens, no ano passado você gravou um disco cantando somente músicas do Noel Rosa. Como foi gravar esse disco e que outro compositor você gostaria de homenagear?

Martinho – Tem muitos. Pode paracer uma coisa de momento, mas gravaria até o Evaldo Gouveia (homenageado do Carnaval de Fortaleza). Conheci bastante ele e acho sua obra fantástica. É uma pessoa que eu poderia pegar umas coisas e transformar num samba mais leve. Ele inclusive já ganhou samba enredo (O mundo melhore de Pixinguinha, na Portela, em 1974). Agora, com o Noel foi mais difícil por que ele já foi muito gravado, é muito cansado. Mas foi um pedido da PUC (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) pra fazer um livro sobre Noel Rosa, escrito por vários escritores, e queriam um disco dentro. Eu pensei, “Como é que eu vou fazer Noel Rosa?”. Foi quando procurei o Noel de letra e música. Tanto que Filosofia entrou por engano. Eu pensei que era só dele. Ficou legal por que procurei o Noel dramático, gozado, romântico.

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O POVO – No seu documentário (Filosofia de Vila – O pequeno burguês) você se mostra uma pessoa sempre tranquila. Você é assim mesmo?

Martinho – Foi legal fazer o filme, muito bom. Olha, não adianta ficar muito apavorado, ter muita ansiedade. Não tem afobação. Você acaba fazendo as coisas erradas. Prefiro devagar, devagarinho.

O POVO – Pra encerrar, você é filiado ao PC do B, desde 2005. Você acredita que a música é um instrumento importante para a transformação do povo?

Martinho – Sempre. A música tem uma força muito grande. Sempre que tem um problema de repressão, a primeira que sofre é a imprensa e depois é a música. E sempre que tem mudança pra bem, a música também acompanha.

>> Programação do Carnaval de Fortaleza

Quando: de sábado a terça-feira, a partir das 16h (com atrações locais)

Onde: Aterrinho da Praia de Iracema

Atrações principais (a partir das 21h30): Cidadão Instigado e Marcelo D2 (5); As Chicas, Zé Renato e Roberta Sá (6); Fino Coletivo e Martinho da Vila (7); e Samba de Rainha e Teresa Cristina (8)

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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