Barbara Eugênia costumava enviar vídeos, fotos e textos, alguns de própria autoria, para uma lista seleta de amigos. Entre dores e sorrisos, ela usava o espaço virtual para seu desabafo e o batizou de Journal do Bad. “Journal” foi uma forma de falar sobre a língua francesa que a inundava naquele momento. E “Bad” é ninguém mais do que ela própria. “É como uns amigos do Rio me chamam. É que eu era ranzinza, coisa de adolescente, mas acabou ficando pra sempre”, explica ela que já não se vê tão ranzinza.

De qualquer forma, foi esse o nome escolhido para batizar o primeiro disco com sua assinatura. Journal do Bad foi produzido pelo cearense Junior Boca e pelo piauiense (que cresceu em Fortaleza) Dustan Gallas e traz na capa o olhar inquietante da moça. Não menos inquietante, inclusive, é a seleção de 13 canções que ela harmoniza com voz sensual e rouca na medida. Do repertório, oito são de próprio punho e expõem fragmentos biográficos, alguns não tão felizes. “E só por que eu quis casar/ Você me abandonou/ Machucou meu coração” (A chave) é a primeira frase do disco e faz ligação com Agradecimento (“Fui embora/ larguei tudo o que rimos/ o quarto que dormimos/ a vida que levamos”), dedicada ao ex-marido.

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Falando em separação, foi após passar por esta experiência em 2005 que ela decidiu trocar o Rio de Janeiro (Bárbara nasceu em Niterói, mas cresceu no Rio) por São Paulo. Trabalhou com eventos, restaurantes e tradução, o que paga suas contas hoje em dia. Mesmo que já tivesse trabalhado com música, ao chegar na Terra da Garoa isso não estava mais em primeiro plano. Não estava, até ela que conheceu o produtor Apollo 9 e ele a convidou para cantar uma música na trilha do filme O cheiro do ralo. “Isso deu um novo gás de tentar a música de novo”, comemora com seu jeito contido. Em seguida vieram convites para um show com Edgard Scandurra em homenagem ao francês Serge Gainsbourg e para uma participação no disco do coletivo 3 na Massa.

Já enturmada com a cena musical paulista, Bárbara Eugênia começou a juntar as referências do que viria a ser seu Journal do Bad. E, com uma banda montada por Junior Boca, ela deu início às apresentações e gravações. Para engrossar o caldo, outros amigos foram convidados para essa estreia. Guizado empresta seu trompete para a melancólica “Ficar assim”; Karina Buhr toca congas na etérea “Drop the bombs”; Scandurra costura na guitarra a doída “O tempo”, de Fernando Catatau, (“sou fã dele, tiete mesmo”, confessa Bárbara); e os músicos do Cidadão Instigado (Dustan Gallas, Rian Batista e Regis Damasceno) encorpam boa parte das faixas.

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O desfile de vozes em Journal do Bad também é de luxo. Começa com Tatá Aeroplano, do Cérebro Eletrônico e Jumbo Elektro, que canta, co-assina e toca violão na deliciosa “Dos pés”. Tom Zé comparece em “Dor e Dor”, gravada por ele no disco “Se o caso é chorar” (1972). Sobre a participação do baiano, intermediada pela jornalista Patrícia Palumbo, Bárbara comenta: “Ela (Patrícia) é muito amiga do Tom e sabia do meu sonho de gravar com ele, que é o cara que eu mais amo na música brasileira. Fui gravar na casa dele. Sempre disse que, no dia que eu gravasse com o Tom, já poderia morrer por que estaria pronto”. Em seguida é a vez de Otto botar seu canto angustiado em “Sinta o gole quente do café que eu fiz pra ti tomar”, de Tatá Aeroplano. “Eu já era amiga do Otto por conta de amigos em comum. Achei essa música a cara dele e o convidei pra gravar”.

Com o som puxando pro rock, Bárbara Eugênia brilha num repertório guiado pela intimidade e pela melancolia (vide o blues cortante “Embrace my heart and stay”). “Eu tenho essa característica na minha personalidade. O disco tem uma coisa puxada pras coisas dos anos 70 que causam uma estranheza que pode ser interpretada como melancolia. Falo de coisa da minha vida, coisas que passei. O acorde menor é meu acorde favorito. É o tom da melancolia. Mas o disco acaba com uma música do Tatá que é super animada” explica a fã de Radiohead que ainda sonha em incluir Thom Yorke na sua lista de convidados.

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Embora ela tenha tentado no Rio de Janeiro, foi somente em São Paulo que ela encontrou uma turma que fizesse o som que lhe interessava. Foi assim que ela agregou cearenses, pernambucanos, baianos e paulistas no disco, todos na base da amizade. Além de ressaltar a importância das colaborações num cenário sem gravadoras (ela chegou a procurar algumas, mas acabou optando pelo independente) a cantora revela também uma questão pessoal. “Não consigo pensar em fazer música sem amigos, sem colaboração. E isso é na minha vida toda”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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