Pedro Carvalho Colaboração para o UOL
 
Aos 63 anos, o homem batizado originalmente como Vincent Furnier segue como um dos artistas mais intensos e divertidos do rock. Quatro décadas depois de revolucionar o cenário musical com sua mistura de rock básico, broadway e terror sob o nome de Alice Cooper, o cantor continua apresentando um dos shows mais divertidos do planeta. A parafernália –com guilhotinas, camisas de força e sangue de mentira– ainda está lá, amparada pelo repertório de um artista capaz de manter a relevância por décadas a fio.
 
Recém integrante do Rock and Roll Hall of Fame, Alice está prestes a lançar uma caixa com quatro CDs, um DVD e dois discos de vinil recuperando a primeira década de sua carreira, entre 1964 e 74. Além disso, seu próximo trabalho de estúdio, programado para 2012, será  uma espécie de continuação do álbum “Welcome To My Nighmare” (1975). Intitulado “Welcome 2 My Nightmare”, o disco será produzido por Bob Ezrin, responsável pela maior parte dos álbuns clássicos do cantor na década de 70.
 
Em entrevista por telefone ao UOL Música, Alice Cooper relembrou sua primeira visita ao Brasil em 1974, falou sobre seu polêmico espetáculo ao vivo, a criação de um som anti-Beatles (“Nós amávamos os Beatles, mas por que ser como eles?”) e os shows que fará em Porto Alegre nesta terça-feira (31), em São Paulo na quinta (2) e no Rio de Janeiro na sexta (3).
 
UOL Música – Devo chamá-lo de Alice ou Sr. Furnier?
Alice Cooper – Alice está ótimo, mas se você me chamar de Maria eu não vou responder.
 
UOL Música – Como está esta nova turnê? Qual é o repertório desta vez?
Alice – Esta turnê passou por muitos festivais na Europa com bandas de metal, como Iron Maiden. Então vamos tocar todos os sucessos, como “Poison”, “School’s Out”, “Eighteen”, mas também músicas mais pesadas, como “Feed My Frankenstein”, “Brutal Planets” e “Black Widow”. E acrescentei um terceiro guitarrista na banda, Steve Hunter [ex-integrante da banda de Lou Reed]. Desta vez será um show com o som grande e cheio de guitarras.
 
UOL Música – Fora o Steve Hunter, ainda é a mesma banda que veio com você ao Brasil em 2007?
Alice – Não, é quase toda diferente. Estamos com Glen Sobel na bateria; Chuck Garrick, que tocava com o Dio, no baixo e nas guitarras; Tommy Henrik, Damon Johnson e Steve Hunter. Eu considero o Steve um dos grandes guitarristas norte-americanos, lado a lado com Eddie Van Halen e todos esses caras.
 
UOL Música – Esta já é sua quarta visita ao Brasil. A primeira, em 1974, foi especial?
Alice – Foi fantástica, porque nós não sabíamos que aquele era um dos primeiros shows de rock internacionais que aconteceram no país. Havia 158 mil pessoas e o local era coberto, então a apresentação [no Anhembi] entrou para o “Livro Guiness dos Recordes” como o maior show coberto de todos os tempos. Para nós foi como os Beatles devem ter se sentido no auge da beatlemania. A cidade estava louca, não sabíamos que causaríamos tanta comoção. A segurança do show era o exército, nunca tínhamos visto nada parecido. E me lembro que a capa de um jornal do dia seguinte era uma foto minha de página inteira dizendo “macumba”. Fui perguntar o que aquilo queria dizer e me explicaram que era uma mistura de vodu e catolicismo. A experiência toda foi incrível, sempre falo sobre esse show com a imprensa e com os integrantes originais da banda. Foi um show histórico, um marco.
 
UOL Música – Sua carreira passou por muitas fases, do rock de garagem no meio da década de 1960 e a fase mais experimental, a era clássica dos anos 1970, o período hard rock nos 1980 e por aí vai. Qual destas eras teve mais importância na sua obra?
Alice – Acho que foi quando estouramos com “Eighteen”, em 1970, e “School’s Out”, um pouco depois. As pessoas ouviam a música no rádio e queriam saber quem era esse tal de Alice Cooper. E então quando viam o nosso visual e o que fazíamos no show, com guilhotinas, cobras e sangue… bem, o visual do rock and roll mudou completamente depois de nós. Até então todo mundo curtia paz e amor,  jeans e camiseta, jam sessions até que, de repente, aparece o Alice Cooper fazendo algo diferente, show business, espalhafatosos e maquiados. Depois disso apareceram David Bowie e T-Rex, mas fomos nós que abrimos a porta para este tipo de coisa.
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UOL Música – Essa reação aos ideais hippies foi proposital e planejada?
Alice – Sim! Eu queria destruir completamente aquilo. Ou melhor, ser um contrapeso. O rock estava ficando chato naquela época [dos anos 70], então decidi dar uma agitada. Pensei: ‘se todo mundo quer ser o Peter Pan, nós seremos o Capitão Gancho. Devemos ser a banda vilã’. Nós amávamos os Beatles, mas por que ser como eles? Por que ser como os Stones? Outra coisa importante foi a androginia. Ninguém fazia isso até então. Usávamos calças de couro preto com botas de motociclista e vestidos das nossas namoradas, as os vestidos eram rasgados e sujos de sangue. Não era afeminado, era aterrorizante. Nunca tivemos uma aparência feminina, parecíamos malucos.
 
UOL Música – Não é coincidência que, alguns anos depois, o Johnny Rotten fez o teste para entrar nos Sex Pistols e cantou “Eighteen”…
Alice – Pois é. E nós estávamos usando alfinetes e todas essas coisas muito antes do punk. O Johnny Rotten diz até hoje que o Alice Cooper era a única banda que valia a pena ouvir naquela época. Eu achava os Sex Pistols muito legais, porque eles foram montados pelo empresário, mais ou menos como os Monkees nos anos 60, mas para representar o punk que estava surgindo na época.
 
UOL Música – Falando em Monkees, vocês e eles vieram da mesma cena de Los Angeles da década de 1960 e eram amigos do Frank Zappa. Como foi vivenciar em primeira mão um dos momentos mais únicos da história do rock?
Alice – Foi uma época interessante, porque as pessoas não se incomodavam com o que os outros faziam. Quero dizer, gente tão diferente como Frank Zappa, nós e os Monkees andávamos juntos. Rolavam umas combinações muito estranhas de artistas que não tinham nada a ver uns com os outros. Uma noite era tipo Alice Cooper e The Mammas & The Pappas, na outra The Doors, BB King e Cher no mesmo palco. E ninguém achava isso nada de mais. Hoje em dia isso não acontece, o mais comum é algo como Alice Cooper, Ozzy e, sei lá, Rob Zombie, tocando para um público homogêneo. Naquela época não, todo tipo de gente aparecia para ver todas as bandas da noite.
 
UOL Música – Como você criou seu show?
Alice – Percebi que se éramos o Alice Cooper não íamos apenas dizer “Bem Vindos Ao Meu Pesadelo” [referência à música “Welcome to My Nightmare”], vamos dar a eles o pesadelo. Se temos uma música como “Ballad Of Dwight Fry”, que é sobre um cara maluco, vou cantar usando uma camisa de força. E no final disso tudo eu saio da camisa de força e mato a enfermeira, eles me prendem numa guilhotina e cortam minha cabeça. Para mim era como contar uma história e, como não tínhamos nenhum tipo de limite imposto, a mensagem era “divirtam-se”. Havia tantas bandas rock que não estavam se divertindo e nós trouxemos a diversão de volta. Todo mundo era influenciado pelos Beatles e pelos Stones, mas nossas maiores influências eram bandas como The Who, Yardbids e Kinks porque eles eram muito experimentais e elétricos. Mas também assistíamos ao musical “West Side Story”, filmes de James Bond, filmes de terror e coisas excitantes em geral, e decidimos misturar tudo isso.
 
UOL Música – Tem alguma maluquice que você fazia no palco antigamente e que não faz mais?
Alice – Naquele tempo, muita coisa era improvisada, tudo valia. Começamos a usar a cobra no palco, mas ela foi crescendo tanto que isso ficou praticamente impossível. Usávamos muito sangue falso, mas de vez em quando alguém se cortava e saía sangue de verdade. Vira e mexe alguém tinha que tomar pontos, porque fazíamos a cena da briga de facas de “West Side Story” e alguém acabava tomando uma facada. Hoje em dia o show é muito divertido e não tem nada de suave, mas é mais ensaiado, com a melhor banda do ramo. E é isso que vocês vão ver no Brasil.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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