Quando Chico César chamou de “forró de plástico” as bandas que adaptaram o gênero de Luiz Gonzaga ao gosto extremamente popular, uma polêmica se instaurou entre os músicos. De um lado, os “intelectualizados” defensores da pureza e tradição do estilo mais nordestino. Do outro aqueles que tacharam a expressão de preconceituosa e limitada. A luta entre o que é o bom gosto e o mau gosto sempre encontra adeptos, da academia à mesa de bar. E, quase sempre, a chamada “cultura de massa” perde por falta de quem a defenda.

Pois é neste vácuo, que, como um Chapolin Colorado, entra Felipe Cordeiro. O paraense de 27 anos vem sendo apontado como um dos renovadores da nova música brasileira. Convidado de hoje na Feira da Música, em Fortaleza, ele vai apresentar o disco Kitsch Pop Cult, um tratado em defesa da lambada, do tecnobrega e, porque não, ao “forró de plástico”. “De um lado, tenho o Alípio Martins com toda a fuleragem popularesca, que até soa apelativa. Mas ele sintetiza muito do artista que quer ser pop. Do outro, tenho o Arrigo Barnabé, com a poesia concreta, música dodecafônica, querendo fazer pop atravessado pela fuleragem Cult. Eu quero fazer esse elo”, explica Felipe, por telefone.

Filho de Manoel Cordeiro, produtor de boa parte dos astros da lambada, Felipe Cordeiro cresceu cercado de músicos e, desde sempre, frequentou shows, palcos, backstages e camarins acompanhando o pai. É aí que começa a girar o seu caleidoscópio sonoro. Ainda pequeno, queria ter uma roupa igual à do Michael Jackson. Depois se impressionou quando o pai lhe mostrou o clássico Construção, de Chico Buarque. Aos 11, entrou na Escola de Música da Universidade Federal do Pará para estudar piano, teoria musical e bandolim. Ainda adolescente, descobriu Raul Seixas e os cânones da filosofia, curso que veio a escolher para sua formação acadêmica (já concluída). Em paralelo, participou de diversos festivais apresentando composições próprias, sempre com os dois pés fincados nas areias da MPB. Esse repertório deu origem a Banquete (2009), seu primeiro disco.

Embora goste desse primeiro disco, logo Felipe Cordeiro percebeu que deveria ter um outro “primeiro disco”. Interessado na antropofagia cultural da Tropicália e influenciado por seus estudos filosóficos, ele mergulhou na cultura mais popular brasileira, principalmente paraense, e começou a moldar o repertório que daria origem a Kitsch Pop Cult. “Na minha casa, não existia essa separação de gosto. Quando fui crescendo, fui percebendo que não existia essa diferença entre o bom gosto e o mau gosto e o disco é uma espécie de redenção disso”, conta o músico. “Eu via meu pai produzir lambada para a indústria, mas com muito bom gosto, cuidado e vontade de estar fazendo arte. O meu disco é uma forma emocional de resgatar isso”.

Mas longe de usar seu trabalho somente como uma homenagem ao pai. Felipe defende com muitos argumentos a necessidade se derrubar fronteiras entre estilos musicais. “Hoje existe uma influência do mundo popular sobre bandas como Cidadão Instigado (CE) e Do Amor (RJ). Antes, de um lado você tinha a arte e do outro o mercado. Era ingênuo, mas é como se via o entretenimento. O panorama hoje tem a liberdade de beber e se influenciar. E a música pra festa não é uma música ruim. A música dançante é uma coisa do brasileiro”.

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Trilhando o duro caminho do trabalho independente, o disco Kitsch Pop Cult teve dois reforços providenciais. O primeiro foi o patrocínio do projeto Conexão Vivo e o segundo foi a produção de André Abujanra, sugestão do amigo Patrick Torquato. Para o palco, ele deixa a vergonha de lado e cria um personagem de si mesmo, com roupas coloridas e um bigode de padeiro português. “Eu até queria preparar um figurino especial pra Feira, mas não deu”, lamenta. O que não poderia era fazer show sem figurino, uma vez que sua apresentação passa por um filtro de alguém que já estudou teatro. “Minha duas backing vocals são atrizes e eu me aqueço pro show como um ator. E não me apresento sem um figurino. Meu pai fica puto por que ele vem de uma época onde isso não existe”, ri.

Apontado neste segundo primeiro trabalho como “o novo Chico Science”, Felipe Cordeiro não vem se preocupando com planos a longo prazo. Prefere focar no que vem conseguindo. “Vivemos um momento muito interessante e acho que o disco vai ter uma boa repercussão. Quero continuar compondo e pensando a música brasileira. Me vejo como compositor compondo e gravando muitos discos. Não sei que tipo de música vou estar fazendo daqui a alguns anos. Mas quero colocar novos olhares sobre a música brasileira. Me afirmar desse jeito, o cara que se propõe a ser ativo, que propõe novos rumos”.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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