O novo milênio entrou com uma série de novas propostas de sons para a música brasileira. Juntando variadas influências que, quase sempre, passeiam por uma faixa de idade bem larga, não faltam artistas criando, quase sempre, no eixo Rio-São Paulo. Nem todos são de lá, mas a maior parte está lá. Ao mesmo passo que tanto se alardeia o fim da indústria fonográfica e dos CDs, os artistas dessa nova cena não deixam de pensar em lançar discos, sem nem se importar se estes vão ou não ser pirateados. Dois exemplos para este novo cenário são os produtores e músicos cariocas Domenico Lancelotti e Alexandre Kassin. Companheiros da Orquestra Imperial e do prejeto +2 (junto com Moreno Veloso), eles lançaram discos quase simultaneamente, pela mesma gravadora (Coqueiro Verde) e com propostas bem semelhantes. A fórmula é juntar sons modernos com tradições brasileiras, que tangenciam o samba e a bossa. Domenico vem com Cine Privê, embalando em elegante projeto gráfico 10 canções próprias ao lado de parceiros como Jorge Mautner e Adrianna Calcanhotto. Como cantor, ele não chama grandes atenções, mas também não compromete. E o som é ideal pra quem gosta dos moderninhos. Mas nada de “batidão”. A mistura de orgânico com eletrônico soa coesa e interessante, como na abertura com a faixa-título. Em alguns momentos passa dos limites. É o caso da repetitiva Pedra e areia, sustentada numa letra minúscula e numa participação quase irreconhecível de Adriana Calcanhotto. O que deveria ser um momento de inprovisos, soa modorrento e sem graça. Já Os pinguinhos é um ponto alto de Cine Privê, cheia de ruídos, versando com delicadeza sobre um amor infantil, e emenda com a também inspirada 5 sentidos, que tem participação de Moreno Veloso e Davi Morais. A balada Su de ti é feita para os bailes de todas as idades, onde casais podem dançar de rosto colado e se apaixonar por uns minutos. Há ainda um número instrumental que repete o clima de malandragem carioca de Hugo Carvana, que batiza a música com o próprio nome. O amigo Kassin participa na percussiva Zona Portuária.

Da mesma forma, Domenico é um dos músicos convidados em Sonhando devagar. Produtor de Vanessa da Mata, Caetano Veloso, Jorge Mautner e Los Hermanos, Alexandre Kassin preferiu abusar mais dos músicos e foi mais orgânico ainda. Embora não deixe de lado as experimentações moderninhas. Como cantor, ele parece imprimir um certo tom jocoso na forma mansa como fala sobre câimbras, masturbação e glande. Embora o sexo não seja o tema central… bom, não existe tema central. O fato é que ele prefere passar pelos assuntos de forma absurdamente natural. O músico chegou a comentar que queria que seu disco soasse mesmo como um sonho e, logo na primeira música, isso fica bem claro em frases como “eu sonhei que era um predador pelo mundo natural. Eu corria atrás das zebras e não pude abstrair dos padrões que elas levavam na pele”. Sua liberdade de compor e falar bobagens curiosas é por demais atraente. É o caso da grudenta, dançante e concorrente a clássico Calça de ginástica. Cheia de teclados e climatização oitentista, Kassin modula a voz e discursa sobre o quanto de tesão ele sente pelo balançado de uma bunda dentro de uma calça de ginástica. Mais dois destaques de Sonhando Devagar são o samba-rock (nunca gostei deste rótulo) Quando você está sambando e a marchinha proto-carnavalesca Sorver-te. Esta última, inclusive, já pode procurar um espaço nos blocos de rua do Rio de Janeiro que com certeza vai pegar. Isso já mostra uma característica do disco de Kassin. Diferente de Cine PrivêSonhando devagar tem mais cara de palco, banda e público. Ah, sim. Já ia esquecendo. O projeto gráfico é em 3D com direito óculos de lentes azul e vermelha. Alguém já tinha feito isso?

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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