“A princípio, parece que eu nasci ontem. Essa é a primeira coisa que eu posso garantir pra você. O tempo passa, mas parece mágica”. É assim que Zé Menezes abre uma longa conversa por telefone, antes mesmo que eu lhe faça qualquer pergunta. Completando hoje seus 90 anos de vida, dos quais 82 foram dedicados à música, ele transparece mesmo essa “mágica” ao falar detalhadamente sobre momentos acontecidos há 60 ou 70 anos. E até arrisca um palpite para explicar de onde vem a energia. “Acho que é porque a música me faz assim. Vivi da música, pra música e na música”.

Esta longa história com as notas musicais começou em Jardim, interior cearense. Ainda pequeno, por volta dos seis anos, Zé Menezes começou a dedilhar um instrumento de sopro requinta, mas logo passou para o cavaquinho. A fama do menino-prodígio foi logo se espalhando pela região. Tanto que foi ele o escolhido para tocar uma composição própria diante do venerado Padre Cícero. A música chamava-se Meus oito anos, já revelando que idade o músico tinha à época. “Eu nem sabia da grandiosidade do que era estar tocando pro Padre Cícero”, confessa.

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Ainda hoje, o músico descreve este como tendo sido o momento mais importante de sua carreira e até vê neste encontro uma razão para tudo que veio em seguida. Desde sua ida para o Rio de Janeiro, onde integrou importantes orquestras, incluindo a da Rádio Nacional, até o reconhecimento internacional, tudo Zé atribui à bênção do Padre Cícero. Certa vez, por exemplo, após uma apresentação na universidade de Oxford, Inglaterra, a reitora da instituição levantou-se e pediu beijar-lhe a mão. No dia seguinte, os jornais estampavam que “os guitarristas ingleses que não viram o show haviam perdido a oportunidade de assistir o melhor guitarrista do mundo, principalmente quando ele tocava sua guitarrinha pequena”. Zé explica: “Eles não conheciam o cavaquinho”.

O músico não deixa de reconhecer também a importância de tantos mestres e amigos que o cercaram. Radamés Gnattali (1906 – 1988), Heitor Villa-Lobos (1987 – 1959) e o violonista Aníbal Augusto Sardinha, o “Garoto” (1915 – 1955), são alguns deles. A lista de artistas que ele veio a acompanhar depois também não é nada modesta. “Eu morava dentro de um estúdio. Não vai existir um músico que tenha entrado mais em estúdio de gravação do que eu, porque eu gravava com tudo que é instrumento e todos os gêneros”. Assim, pra cada nome da lista, ele tem uma historinha. Por exemplo, Francisco Alves. “Ele sempre escolhia duas músicas pra cantar comigo. Já estava certo de entrarmos em estúdio pra gravar um disco voz e violão, mas ele morreu uma semana antes”. Elis Regina. “Muito exigente, muito musical e talentosa até dizer chega”. Elza Soares. “Gravei também. Essa sempre foi meio doidona”.

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Chegar aos 90 anos, para Zé Menezes, nem de longe significa descanso ou pé no freio. Recentemente, ele viu sua obra compilada no box Zé Menezes Autoral, com três CDs e um CD-Rom com fotos, vídeos, partituras e biografia. Em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, o músico está montando o programa do curso superior de guitarra, ao mesmo tempo que grava um DVD com aulas para violão tenor e planeja uma turnê por oito cidades brasileiras, inclusive Fortaleza. Incansável, estudando, tocando e compondo diariamente, ele sabe muito bem como queria ser homenageado nesta data. “A única homenagem que eu quero é que Deus conserve minha saúde, meus dedos com a agilidade que eles sempre tiveram, com o cérebro funcionando e cercado de amigos”.

Para mais:
Todo o conteúdo de Zé Menezes Autoral está disponível para consulta em www.zemenezes.com.br. O Box está disponível para venda no mesmo site (R$30).

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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