Se alguém um dia fizer o mapeamento genético da música brasileira vai encontrar lá na raiz um pandeiro e um tamborim. Não tem como fugir. O samba é o mais autêntico e referencial dos sons brasileiros e já fez a cabeça de artistas do mundo todo se misturando com o jazz, soul, hip hop, rock e tudo mais. Nesse caldeirão de possibilidades, volta e meia, um aventureiro vem, mexe e tira algo que lhe interessa.

Foi o que fez recentemente a cantora paulista Luciana Mello. Surgindo em meados dos anos 1990 junto com um grupo que ficou conhecido como Artistas Reunidos, ela ficou fortemente ligada a um repertório pop radiofônico, onde se evidenciava sua voz doce e grave. Após quatro anos do lançamento de Nega, seu disco mais soul/funk, ela acaba de lançar um sexto trabalho batizado simplesmente como 6º Solo. No disco, ela confirma o DNA herdado do pai Jair Rodrigues e trilha o caminho da música negra, em suas muitas variações, tendo sempre o samba como guia.

“Cada disco meu revela uma das minhas fases. Nesse, eu quis mostra mais a coisa brasileira. A ideia foi misturar os ritmos africanos, a chula, o latino. Misturas de sons que eu gosto de ouvir”, explica a cantora por telefone citando Ed Motta, Emílio Santiago e Sade como alguns desses sons. Para este disco, além da busca pela brasilidade, ela abriu mão do lado compositora e desfilou bem sobre um repertório formado basicamente por canções inéditas. Logo no início, o elegante samba Descolada, inédito de Chico César e Márcio Arantes, entrega o ouro: “A menina também quer requebrar, sambar no pé, se misturar”.

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Para celebrar a batucada brasileira, Paulo César Pinheiro e Sérgio Santos aproximam jongo, maracatu e cateretê em Áfrico, enquanto Marco Matolli defende o suingue de “quem é de samba” junto com Rodrigo Leão em Samba quebrado. Por sugestão do DJ Zé Pedro, Gonzaguinha também entra na roda com Recado, coincidentemente incluída em sua versão original na novela Fina Estampa.

Quem faz a ponte entre o samba e o soul em 6º Solo é o irmão da anfitriã, Jair Oliveira. Ele cede para o disco duas belas baladas romântica, Tchau e Perto de mim, que lembram os primeiros discos de Luciana, e Mentira, um ótimo sambão com o pé na tradição de Ataulfo Alves. Para este último número, a cantora convidou o canto ancestral do pai Jair para um dueto. “O Jairzão é demais, né? E o Jairzinho (Oliveira, irmão) é um compositor de mão cheia. Eu tenho sorte de ser irmã dele, por que já vejo a música nascendo na hora. Sou fã mesmo. Ele tem o dom grande pra escrever”, diz ela sem medo de rasgar seda.

Indicação do irmão, um ponto alto de 6º Solo é a suingada e sensual Couleur Café, composição de 1964 de Serge Gainsbourg. No arranjo, pontuado por silêncios e teclas de uma máquina de escrever, Luciana brilha em dueto francês com o Corneille, cantor alemão filho de africanos. “Conheci o trabalho dele através dum canal francês e fiquei com a melodia na cabeça. Fui para a França e numa (loja) Fnac aluguei uma vendedora até ela achar o cantor que eu nem sabia o nome, nem da música. Depois do arranjo pronto, entrei em contato e convidei pra o Corneille cantar comigo. Por uma coincidência, ele já conhecia a música desde criança”, lembra a cantora.

6º Solo tem ainda uma regravação de Deixa o sol raiar, canção mais obscura de Djavan, e Se for pra mentir, parceria dos tribalistas Arnaldo Antunes e Cezar Mendes. A produção de Otavio de Moraes colocou unidade nos tantos afluentes que compõem o disco e acertou em não fazer Luciana soar como falsa sambista. Pelo contrário. Deixou-a à vontade para misturar samba, soul e o que mais quisesse.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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