Entre as bandas do primeiro escalão do rock nacional oitentista, a Legião Urbana certamente ganhou um destaque especial. Boa parte disso se dava por conta do vocalista e letrista Renato Russo, um misto de profeta, guerrilheiro e porta-voz das angústias da juventude. Ótimo cantor e compositor profundo, ele conseguiu como ninguém trazer diferentes gerações para sua música que, mesmo 15 anos depois da sua morte, continuou tão forte e atuante quanto era há 20 anos.

Isso ficou claro na noite do último sábado (17), na Praça Verde do Dragão do Mar. Recebendo a primeira edição do Green Day Eco Festival, evento ecologicamente correto promovido por uma marca de sucos naturais, o local foi tomado por uma multidão de adolescentes e pré-adolescentes que estava ali para assistir Dado Villa-Lobos (fotos: Gabriel Gonçalves), o primeiro e único guitarrista da Legião Urbana. Mesmo dividindo o espaço com canções da sua impopular carreira solo, foi mesmo quando entoou os versos certeiros do trio brasiliense que o público respondeu com vontade.

A noite começou com a Praça ainda vazia para a apresentação irregular do roqueiro Stefano Marques. Em seguida, a Dona Zefa levantou a plateia com hits inesquecíveis de Luiz Gonzaga e Chico Science. A última atração local foi a Blues Label, que aproveitou bem o espaço eu ganhava mais público. Intercalados com apresentações de teatro e circo com mensagens ecológicas, os shows aqueceram bem a audiência que ainda iria ouvir o peso dos Detonautas, encerrando tudo.

Dado Villa-Lobos subiu ao palco por volta das 23h, acompanhado por uma banda cheia de peso que incluia o baixista Laufer, fiel escudeiro de Fausto Fawcett. Comentando o calor que fazia (e que não era pouco), ele iniciou os trabalhos pela carreira solo, ainda bem desconhecida. Com as canções psicodélicas e viajandonas do disco Jardim de Cactus, ele quase decepciona quem estava ali mesmo pra ouvir as palavras de Renato Russo.

Com um ar de “eu já sabia”, Dado tocava e agradecia os aplausos frios do público sempre que colocava seu (bom) trabalho pós-Legião no repertório. Mesmo adiantando o que virá a ser seu terceiro disco solo (Jardim de Cactus já foi lançado em estúdio e ao vivo), a garotada com blusas do Metallica, Slipknot e Lynyrd Skynyrd, era no máximo respeitosa. Mas foi só assumir seu papel de legionário que os gritos vieram.

A primeira foi A Dança, tirada do disco de estreia, de 1985. Em seguida, Dado deu preferência às canções mais lentas da sua antiga banda, como Giz, principalmente pra combinar com o estilo do novo repertório. Longe de ter a voz privilegiada de Renato Russo, o guitarrista ainda se arriscou em hits vigorosos como Conexão Amazônica e Ainda é Cedo. Essa última, inclusive recebeu a participação explosiva de Jonathan Doll, cercada de elogios do anfitrião. Evocando um Jim Morrison brasileiro, o cearense deixou muita gente sem voz ao cantar Namorada Fantasma e berrar versos como “troque por uma pedra o seu coração”. Dado até corrigiu: “não, não troque seu coração por uma pedra”.

Depois do que se viu – um ícone do rock nacional servindo de banda de apoio de um novato que decidiu roubar a cena – era difícil surpreender o público. Ainda assim, Dado Villa-Lobos chamou seu segundo convidado, o vocalista Tico Santa Cruz, dos Detonautas, para cantar Que País é esse?. Esbanjando simpatia, Tico sugeriu com um discurso bem correto que o público trocasse o famigerado “é a porra do Brasil” por “a Amazônia é do Brasil”. Um intervalo mais longo que o costume e Dado voltou para o bis com mais Legião. Embora não pudesse estar presente, com certeza, Renato Russo ficou feliz de saber que suas palavras ainda são tão importantes.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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