Num passado recente da música brasileira, uma geração de artistas foi responsável por atrair novos ouvintes para o samba. Com moral meio baixa desde que dezenas de grupos de pagode paulista invadiram as rádios, o som do pandeiro e do tamborim estava mesmo precisando de alguém que lhe desse novo gás. A renovação veio pelas mãos de jovens cantoras que, de olho na mistura, conseguiram ressuscitar aquele som que agoniza, mas não morre. Entre elas, estava Roberta Sá.

No entanto, mesmo que tivesse muitos sambas na sua história, a cantora potiguar nunca se viu como uma autêntica sambista. Pensando nisso, ela colocou como regra para seu novo disco que ele não trouxesse nenhum samba. E assim nasceu Segunda Pele, fruto de inúmeras conversas com o músico e amigo Rodrigo Campello. Com pandeiro e tamborim em segundo plano, o disco se abre para outros sons brasileiros, de várias regiões. “Não quero deixar (o samba), não é um abandono. É só uma necessidade de viver experiências novas com o público”, explica Roberta Sá por telefone.

Esse mergulho na brasilidade está presente em tudo, desde a concepção do som até a capa do disco, que remete a uma saudosa Clara Nunes. “Queria que fosse uma capa de uma cantora bem brasileira. Esse foi o briefing. Uma capa bem tropicalista”, detalha lamentando o tamanho das capas de CDs comparadas aos antigos LPs. O movimento tropicalista também serviu de influência para os arranjos que emolduram as canções. Os climas e sensações trazem à memória os ambientes sonoros criados pelo maestro Rogério Duprat (1932 – 2006). É o caso, por exemplo, da abertura opulenta com Lua (Mário Seve/ Pedro Luís).

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Em Segunda Pele, Roberta Sá procurou novos caminhos para seu canto. Um dos desafios que se impôs foi de gravar pela primeira vez em outra língua, no caso o espanhol. A escolhida foi Esquirlas, de Jorge Drexler, que ainda teve a participação do autor. Outra mudança curiosa está nas letras. A cantora que já foi chamada de “Sandy do Samba” se mostra agora mais sensual em versos como “quando ele vem, faço dele minha luva, meu collant, a minha segunda pele” (Segunda Pele, de Carlos Rennó e Gustavo Ruiz) ou “Quando a coisa é quente, já estamos bem a sós” (Bem a sós, Rubinho Jacobina).

Segunda Pele também mostra um lado mais ensolarado da cantora, que definiu este como “o disco das minhas vontades”. O Nego e Eu (João Cavalcanti) é um sambão gostoso que lembra os anos 1960 de Elza Soares. Junto com o marido Pedro Luís, ela assina o frevo “arrasta quarteirão” No bolso, onde pensa nos aperreios da vida moderna. Segurando o ritmo, ela pula para Deixa Sangrar, canção de Caetano Veloso lançada por Gal Costa em 1970. “Nos discos anteriores, eu jamais gravaria uma música da Gal. Ela é um símbolo, então eu a achava intocável. Agora ganhei essa liberdade, essa maturidade de poder fazer esse tipo de coisa, sem ficar com tanta preocupação”, avalia Roberta.

Na mistura de estilos do disco, há ainda a balada tocante Você não poderia surgir agora (Dudu Falcão), que conta com Daniel Jobim ao piano, e No Arrebol, um curioso reggae escrito pelo sambista carioca Wilson Moreira. Esta última encerra o trabalho deixando uma sensação objetivo alcançado. Para Roberta Sá esse disco não é necessariamente ousado (“Eu vou sempre achar que o próximo é mais ousado. A mudança de rumo é sempre uma ousadia”). Ainda assim, é certo que, a vontade de dar um passo à frente, fez deste o seu melhor disco até agora.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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