Márcia Castro é uma baiana que, aos 16 anos, entrou na vida artística atuando como “cantriz” em espetáculos teatrais. Influenciada pela coleção de discos que seu pai mantinha em casa, ela cresceu ouvindo, principalmente, jazz e música brasileira. Também foi ele, trompetista na adolescência, quem lhe passou as primeiras noções de teoria musical, timbres e ritmo. Tão apaixonado por música que era, o pai quase batizava a filha de Elis Regina, mas, por sorte, a mãe o proibiu.

Depois estudar na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, Márcia Castro estreou oficialmente como cantora em 2003. Com direção musical de Luciano Salvador Bahia, o show No arco da lua, a linha do sol abocanhou três Troféus Caymmi, incluindo o de cantora revelação. Aproveitando parte do repertório da apresentação, seis anos depois ela lançou o disco Pecadinho, onde deu um banho de suingue, malícia e interpretação sobre a obra de marginais como Itamar Assumpção, Sérgio Sampaio, Jorge Mautner e outros.

Recebido com empolgação, Pecadinho marcou a chegada de uma artista disposta a cavar fundo o terreiro da música brasileira até encontrar aquela canção escondida, inédita ou não, que merece ser ouvida. E é com essa mesma disposição que ela chega agora a um segundo trabalho formado principalmente por regravações que, para muita gente, vão parecer inéditas. Bebendo na fonte criativa dos anos 1970, De pés no chão traz aquela redundante influência tropicalista logo na capa, com uma foto que lembra Gal Costa em início de carreira.

“Não foi um disco pensado conceitualmente. Na verdade, pesquei coisas do show que vinha fazendo ao longo desses três anos e fui pela intuição”, explica Márcia Castro em entrevista por telefone. Assumindo uma predileção pelo som de 40 anos atrás, ela conta que o título do disco, tirado de uma canção de Rita Lee lançada em 1974, tem uma conexão com o momento mais pé no chão que ela anda vivendo. “Ela tem esse discurso do humor, de ironia ao tratar de um assunto curioso. Eu gosto disso”, continua.

Além da Rainha do Rock, De pés no chão traz 29 beijos, um blues esquecido dos Novos Baianos lançado em 1971 num compacto duplo, agora rebobinado com os vocais de Hélio Flanders (Vanguart). Ainda do combo hippie baiano, Preta pretinha foi a escolhida para fazer o aquecimento do disco. Disponibilizada para download no site de Márcia Castro, a canção lançada no clássico absoluto Acabou Chorare (1972) ganhou arranjo buliçoso e sopros desenhados pelo maestro Letieres Leite. “A primeira vez que ouvi o Letieres senti uma vibração tão grande que deu um desejo de trazer a Bahia para o disco”, comenta.

Puxando para os sons mais contemporâneos, História de fogo é uma composição de Otto e Alessandra Negrini escondida no disco Sem gravidade (2003). Aproveitando algo da malemolência típica dos sons do pernambucano, os versos picantes ganham novo brilho na voz sedutora de Márcia. O mesmo se aplica à dramaticidade de Vergonha (Luciano Salvador Bahia), uma mistura de bolero com Cidadão Instigado. Com um sotaque mais radiofônico, Logradouro é uma balada inédita de Kleber Albuquerque escolhida para puxar o disco nas rádios. “É uma das faixas preferidas de muita gente. Ela tem essa capacidade de chegar fácil”, explica.

Seja novo, seja velho, Márcia Castro sabe medir seu toque pessoal de tal forma que tudo parece ter sido feito para ela. É o caso de Crazy pop-rock, rock tropical de Gilberto Gil e Jorge Mautner lançada em 1971, e Catedral do inferno, estranha composição de Cartola e Hermínio Bello de Carvalho apresentada por Marlene no disco Te pego pela palavra (1974). Reservadas aos fãs mais ferrenhos, ambas acabaram esquecidas em alguma gaveta do tempo. Por sorte, volta e meia alguém resolve meter a mão e tirá-las desse limbo. Márcia Castro é uma dessas pessoas.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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