Em 1972, os Rolling Stones escolheram uma forma sui generis para resolver seus problemas com o imposto de renda: fugiram para a França. Exilados com medo do leão inglês, eles se instalaram no porão da mansão do guitarrista Keith Richards, em Nellcôte, e começaram a esboçar as canções do que seria um próximo disco. E assim nasceu Exile on main street, até hoje considerado um dos pontos altos da discografia da banda.

Embora não tenha sido incomodada pelo fisco brasileiro (ou não que se saiba), Ana Cañas se inspirou nessa história para trabalhar sua volta aos discos. Depois de atravessar um período conturbado, onde chegou a se apresentar visivelmente alcoolizada, ela achou que estava na hora de fazer uma reavaliação. Ligou para um amigo “eremita” e pediu para passar uma temporada em seu sítio em Vargem Grande, bairro afastado do centro carioca, conhecido pela natureza abundante. E foi nesse cenário de muito verde e zoada de grilo que ela começou a gestar a sua volta por cima.

Não por acaso, o nome do terceiro disco de Ana Canãs é Volta. Logo na capa, um autorretrato da cantora de frente para Billie Holiday entrega o jogo. Três anos depois do roqueiro Hein?, produzido pelo mutante Liminha, ela relembra seus tempos de hotel Fasano, e mergulha num repertório de sotaque jazzístico. Com sonoridade mínima e repertório amplo, o disco foi feito ao vivo num estúdio improvisado no tal sítio de Vargem Grande.

“A intenção na hora nem era de fazer o disco todo assim. Mas fiquei tão feliz com o resultado, com a essência da música, que eu falei que queria gravar o disco inteiro assim. Foi uma experiência meio Novos Baianos”, explica Ana em entrevista por telefone. Em busca de uma intimidade maior com o ouvinte, ela ainda fez questão de incluir uma linha covers que explicam de onde vem seu som. Do Led Zeppelin, banda que diz ouvir diariamente, ela faz uma versão acústica para Rock and Roll. Para relembrar as noites nos bares paulistas, ela manda My baby just cares for me, clássico do repertório de Nina Simone. Da sua idolatrada Lady Day, ela dá sua versão para Stormy weather. E, em homenagem à avó, falecida há um mês, ela canta La vie en rose. “Ela faleceu logo que o disco foi lançado. É a pessoa mais bonita que eu conheci. Foi uma homenagem a ela”, relembra.

Volta traz ainda 12 composições inéditas de Ana Cañas, entre elas a balada de abertura Será que você me ama. Em clima de baile de formatura, a cantora dá o tom do amor incerto antes de passar para o reggaezinho Difícil, que conta com os vocais de Inácio, o cachorro do dono do sítio. Na língua de Edith Piaf, ela ainda apresenta L’amour. Antes, ela divide a melancólica No quiero tus besos com Natalia Lafourcade. Também da nova lavra, duas merecem destaque. Diabo é um blues onde a gaita de Vasco Faé sublinha a letra quente da cantora (“No meio das pernas eu te vejo roubando de Deus, bebendo veneno”). A segunda é a etérea Urubu rei. “Pensei em fazer uma letra mais abstrata, algo como as coisas do Gilberto Gil. É uma letra meio estranha, com arranjo meio psicodélico”, explica ela.

Assinando a produção e os arranjos ao lado de Fabá Jimenez e Fábio Sá, Ana Cañas procurou fazer deste Volta seu trabalho mais pessoal. No entanto, para a nova turnê, que já estreou, ela conta com o auxílio luxuoso de Ney Matogrosso na produção. “Ele é super genial, uma pessoa muito dedicada, educada, gentil. É um arrebatador de almas. Estou maravilhada com o trabalho dele”, conta ela que pretende fazer do espetáculo seu primeiro DVD. “To mais plena, voltando com vontade. É um momento que eu gostaria de registrar, um momento glorioso da minha carreira”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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