Quem nunca ouviu os dois primeiros discos de Ivan Lins pode tomar um susto com a voz possante e o som furioso que o carioca fazia naqueles anos 70. Cheio de uma poesia mais agressiva e mesclando sons universais de blues, rock e jazz, ele estrou com dois discos irretocáveis, embora estranhos. É, estranhos por que, nas décadas seguintes, ele amançou o discurso, trocou o piano pelo teclado e se tranformou num dos maiores hit makers das novelas globais. Todo o mérito para o rapaz que compôs pérolas belíssimas como Vitoriosa, Vieste e Anjo de mim. A questão é que, na sequencia, ele foi descoberto por um time de novos e velhos jazzístas e se tranformou num dos brasileiros mais requisitados nos estates. E, para se adequar a esses convites e a esse mercado, foi amançando ainda mais o discurso, tanto que foi ficando um chato. Com todo o respeito, é claro.

E é dessa bendita chatice que sofre o seu disco Amorágio (Som Livre). Ao longo de 11 faixas, ele faz baladas, sambas e raps, recebe amigos, mas não decola. A produção foi entregue a Rodrigo Vidal que deu unidade a canções inéditas e regravações, tudo cercado por instrumentações já bem conhecidas do público. O eterno parceiro Vitor Martins aparece em cinco faixas, incluindo a sertaneja Atrás poeira, onde Ivan simula uma dupla caipira com Rafael Altério. Na faixa, que conta com o acordeom de Marcos Nimrichter, anfitrião e convidado assinam como Fioravante e Guimarães. Já o filho Cláudio Lins é parceiro no xote Carrossel do bate-coxa, canção que melhor cairia em quem soubesse aproveitar as tiradas engraçadas da letra. Fado Saramago traz melodia insossa sobre poema do escritor português José Saramago (1922 – 2010), com adesão do cantor lusitano Antônio Zambujo.

Entre as regravações, Roda baiana foi lançada por Gal Costa em 1981 e agora volta em novo arranjo, ainda sambista, mas sem novidades. Já Sou eu, lançada no ótimo último disco do parceiro Chico Buarque, perde o suingue numa releitura bossanovística. Numa tentativa de refrescar o repertório, Amorágio traz o proto-hip hop X no calendário, cantado ao lado de Pedro Luís. Em versos politizados, a dupla roga por dias melhores sem subir no palanque. Os mesmos bons fluidos são desejados em Quem me dera, dueto com  Maria Gadu em bom momento vocal. No entanto, um dos melhores momentos do disco ficam com E isso acontece, única faixa assinada somente por Ivan Lins. Cheia de tristeza e melancolia, a balada construída sobre um piano econômico revela aquilo que ele melhor sabe fazer.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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