Por Danilo Castro (danilocastro@opovo.com.br)

 O teatro da Caixa Cultural parece ter sido feito na medida certa para o show minimalista de Adriana Calcanhotto, que nos apresentou dias 30 e 31 o seu Micróbio do Samba, gerido nos últimos quatro anos. O espetáculo, que já havia passado por 25 cidades em 11 países, finalmente chegou a Fortaleza. O momento de inauguração do teatro, a qualidade da apresentação e o preço acessível criam boas expectativas em relação às próximas atrações pensadas para o espaço.

O show começou com apresentação surpresa da jovem cantora cearense Laura Elion, acompanhada pela violonista Irene Egler. Ainda que a apresentação tenha sido introvertida, com poucas músicas – todas autorais – a abertura nos serviu de preparo. Nossos ânimos foram sendo amortecidos para a chegada de Adriana. Não demorou muito para o teatro se encher de palmas, infectado por esse micróbio sambista e descomprometido que Adriana nos trouxe. E ela, literalmente, se diverte.

A cantora construiu um espetáculo para dilatarmos os ouvidos e percebermos as nuances dos sons ousados que propõe. Mas sua obra, definitivamente, não é só para ouvir. Tanto que ela nem se intimida ao se lançar em interpretações, por vezes caricatas, durante suas canções – arriscando passos de samba, que começam meio tímidos e aqui-acolá se tornam pândegos. O som de Adriana, acompanhada pelos músicos Alberto Continentino (violoncelo), Domenico Lancellotti (percussão) e Pedro Sá (violão), torna-se muito presente, parecendo até que podemos vê-lo em meio aos objetos inusitadamente instrumentais.

 A cantora utiliza caixas de fósforos, panela, prato, xícaras, talheres, secador de cabelos, megafone, radinho de pilha, além do sampler (aparelho digital que reproduz vários sons) para preencher de sutilezas sambas autorais como Tão chic, Deixa Gueixa e Mais perfumado. Nisso, Adriana consegue romper com a seriedade que atribuímos ao seu trabalho pela legitimação que possui em meio aos mestres da música popular brasileira.

Adriana se entrega, sem medo do ridículo, às brincadeiras, às partituras corporais, aos goles de pinga. Ela brinca com a alma descompromissada do sambista, com a áurea doce, esperta e embriagada do malandro. Assim, Adriana vai se mostrando genuinamente brasileira, como uma cantora que não apenas canta inconteste, mas vive toda a intensidade da experiência que o momento cria.

São apenas 190 lugares, mas com poltronas confortáveis e uma acústica impecável. O teatro foi pensado para se ver e ouvir bem. A plateia e a coberta dispostas em declive favorecem a cena e a reverberação do som. O palco possui proscênio avançado, três coxias e profundidade. Cabe à Caixa gerir o espaço como a estrutura merece, porque depois do refinamento descontraído de Adriana, que finaliza seu show encantadoramente banhada de purpurina, estaremos todos ainda mais exigentes.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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