A capa branca do disco de Caetano Veloso lançado em 1969, apesar da simplicidade, é um enigma digno dos faraós. Em primeiro lugar é sim uma homenagem, como tantas outras que foram feitas, ao álbum lançado um ano antes pelos Beatles. No lugar de um projeto gráfico com fotos ou desenhos, os rapazes de Liverpool enxugaram tudo e colocaram um imenso e absoluto branco na capa e contracapa do trabalho. No caso do baiano, para se diferenciar dos ídolos roqueiros, ele acrescentou apenas sua assinatura, e logo o disco ganhou o apelido de “o disco da assinatura”.

Apesar de toda a paz estampada naquele mar de brancura, o que inspira Caetano a fazer aquele trabalho são seus tempos bicudos de uma ditadura brasileira, que logo o manteria exilado em Londres. Dessa forma, a ausência de cores acaba demonstrando também a saudade e o vazio em que o artista se encontrava, longe da sua amada Bahia. Já sentindo falta da família, o poeta abre o disco homenageando sua irmã Irene, contrastando a alegria do sorriso com uma despedida forçada. Mais melancólico, ele segue o disco falando em partidas e despedidas. Marinheiro só, cântico tradicional, vem cantada em inglês e mistura o recado direto com sua futura língua.

A barroca Carolina, de Chico Buarque, fica ainda mais triste em sua janela quando cantada pelas vogais abertas do filho da Dona Canô. Triste ainda como as Chuvas de Verão, de Fernando Lobo. Em tom fadista, Os Argonautas recria o clima dos portugueses que partiram em busca de novas terras, como se o baiano quisesse falar que estava agora fazendo o caminho inverso. Mas como os contrastes daquela capa aparentemente sem nada, a tristeza do disco de Caetano se dissipa na última faixa, Alfômega. Suingada, funkeada e animada, a despedida do artista é em clima de festa, por que atrás desse bloco só não vai quem já morreu.

Alfômega, inclusive, carrega uma dessas lendas curiosas da música. Convidado para tocar violão e fazer vocais na faixa. Gilberto Gil improvisa vogais e sons meio desconexos para aumentar o clima de happening daquela faixa. Mas, eis que alguns acharam de ouvir o baiano gritar “Marighella” no meio daquela confusão. Gil nunca confirmou a tese, também não negou. Fica o mistério para os ouvintes.

Faixas de Caetano Veloso (1969):

1. Irene (Caetano Veloso) 3:48
2. The Empty Boat (Caetano Veloso) 4:15
3. Marinheiro Só (tradicional/ adaptação: Caetano Veloso) 3:29
4. Lost in the Paradise (Caetano Veloso) 3:27
5. Atrás do Trio Elétrico (Caetano Veloso) 2:45
6. Os Argonautas (Caetano Veloso) 2:47
7. Carolina (Chico Buarque) 2:38
8. Cambalache (Enrique Santos Discépolo) 2:31
9. Não Identificado (Caetano Veloso) 4:03
10. Chuvas de Verão (Fernando Lobo) 2:51
11. Acrílico (Caetano/ Rogério Duarte/ Rogério Duprat) 3:01
12. Alfômega (Gilberto Gil) 5:57

>> Irene (Caetano Veloso) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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