“Está na hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”, anuncia Baby Consuelo, fazendo suas as palavras do mestre Assis Valente. Embora não fosse a niteroiense a mais bronzeada entre as gatas do Rio de Janeiro, o clima solar do samba que anunciava a chegada do lírico Acabou Chorare era um sinal de que um novo som vinha ali. O segundo disco dos Novos Baianos trouxe uma combinação perfeita de simplicidade, espontaneidade e riqueza que, se fosse programada, seria impossível de se encontrar.

Era a guitarra veloz de Pepeu Gomes, combinada com os dedos ágeis de Moraes Moreira no violão, tudo sobre uma cozinha eficiente defendida Charles, Bola, Didi e Dadi. Pra coroar, Baby e Paulinho Boca de Cantor cantam e se divertem ao longo de 10 faixas que podem ser escutadas na sequencia ou aleatoriamente. Tanto faz. Mas há ainda um elemento extra nessa receita virtuosa que pariu Acabou Chorare. Trata-se do mestre João Gilberto, que tirou algumas madrugadas para se juntar àquela comunidade hippie-roqueira. À frente daqueles cabeludos cheios de Janis Joplin e Jimmi Hendrix na cabeça, o baiano chegava de mansinho e dedilhava alguns velhos sambas e valsas. Foi ele, inclusive, que sugeriu Brasil Pandeiro para abrir o disco que o grupo lançaria em 1972.

Em seguida, a inspiração do mestre da Bossa Nova vem sintetizada na bossinha Acabou chorare, inspirada num episódio doméstico de João quando sua filha Bebel, ainda pequena, levou uma pancada. Diante da aflição do pai que correu para socorrê-la, a pequenina tratou de acalmá-lo: “acabou chorare, papai”. Mais acelerada, mas não menos doce, A Menina Dança é a cara de Baby. Feliz, colorida, cheia de boas energias, a composição da infalível dupla Moraes e Galvão anuncia a chegada de uma nova menina que, no lugar de fazer protesto de cara fechada num mundo revirado, revira os olhinhos e dança.

E, como um todo, essa é a mensagem deixada em Acabou Chorare. Outro momento mágico do disco é a progressiva Mistério do Planeta, cheia de concretude e lições a vida. E ainda de Swing em Campo Grande, que traz o conselho de um rezador que falou para aquela turma para, na hora que vissem em aperto, virassem “toco”, virassem “moita”. Assim, eles iriam passar despercebidos pelo problema. E numa prova de que o desbunde é sempre a melhor opção, Besta é tu é um sambão balançado, suingado e gostoso, desses de afastar as cadeiras da sala e sair dançando. Encerrando com uma reprise de Preta Pretinha, maior exito comercial dos Novos Baianos, Acabou Chorare é um autêntico disco de música brasileira, seja lá o que isso queira dizer.

Faixas de Acabou Chorare (1972):

1. Brasil Pandeiro (Assis Valente) 3:58
2. Preta Pretinha (Luiz Galvão/ Moraes Moreira) 6:40
3. Tinindo Trincando (Luiz Galvão/ Moraes Moreira) 3:26
4. Swing de Campo Grande (Paulinho Boca de Cantor/ Luiz Galvão/ Moraes Moreira) 3:10
5. Acabou Chorare (Luiz Galvão/ Moraes Moreira) 4:13
6. Mistério do Planeta (Luiz Galvão/ Moraes Moreira) 4:24
7. A Menina Dança (Luiz Galvão/ Moraes Moreira) 3:51
8. Besta é Tu (Luiz Galvão/ Pepeu Gomes/ Moraes Moreira)     4:26
9. Um Bilhete Pra Didi (Jorginho Gomes)    2:53
10. Preta Pretinha (reprise) (Luiz Galvão/ Moraes Moreira) 3:25

>> Brasil Pandeiro (Assis Valente) por Carlus Campos

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles