Para compensar a ausência deste blog na comemoração dos 70 anos de Milton Nascimento, realizada na última sexta-feira (26), publico ao longo desta semana os textos do caderno especial publicado no Jornal O Povo no dia 21/10/ 2012. É tudo de autoria deste que vos fala

Mineiro de Belo Horizonte, Salomão Borges Filho sempre foi um apaixonado pelos Beatles. Tanto que, ainda na adolescência, montou a banda The Beavers (Os Castores) junto com o irmão Yé e o amigo Alberto de Castro Guedes, o Beto. Salomão, mais conhecido em casa como , partilhava seu amor pela música com os 10 irmãos e logo cedo começou a se aventurar nas primeiras composições.

Tantas aventuras aconteceram até o dia em que o amigo Milton Nascimento, já um artista reconhecido com quatro discos gravados (um deles fora do Brasil), o convidou para dividir um novo trabalho. Pra falar a verdade, Milton era como um irmão torto, que já conhecia bem a família de . Ainda assim, o convite foi uma surpresa digna de um acerto em cheio na loteria.

Cercado por músicos de primeira linha, como Toninho Horta e Robertinho Silva, Lô Borges, à época com 20 anos, gravou ali seu primeiro disco, ao lado de um artista dez anos mais velho e que já dava seus primeiros passos no mercado internacional. “A gravadora achou que era uma maluquice do Milton. Eu era um cara totalmente desconhecido e aquele era um álbum duplo”, conta ele hoje sobre o Clube da Esquina, álbum antológico que completa 40 anos em 2012.

Perto de chegar a Fortaleza para uma apresentação ao lado do amigo e conterrâneo Flávio Venturini, conversou por telefone com o DISCOGRAFIA sobre aquele momento em que seu lado compositor falou mais alto que os próprios medos. “Se eu levasse muito a sério, iria travar nas quatro rodas”, explica sobre sua técnica para manter a calma. A técnica funcionou e hoje o Clube da Esquina é um dos trabalhos mais importantes da música brasileira.

DISCOGRAFIA – O que o disco tem de Lô e o que tem de Milton?

Lô Borges – Ali tem um mistura mesmo. Ele me fez o convite e disse pra eu ficar bem à vontade. Não tive limitações de criatividade. O que veio foi aquilo, coisas criadas pra esse álbum. Primeiro veio o convite depois as canções.

 

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DISCOGRAFIA – E como foi esse período de composição?

LB – Eu passei um tempo morando no Rio de Janeiro com o Milton para elaborar o repertório. Como morávamos juntos numa casa em Piratininga, em Niterói, era legal por que todo dia tinha música nova. Cada um ficava num quarto compondo e no fim da tarde se encontrava para mostrar o que tinha. O Beto Guedes também morava conosco e ficava meio de fiscal. Eu era um compositor totalmente emergente. Foi muito legal.

DISCOGRAFIA – A ficha técnica do Clube da Esquina é bem grande, com participação de nomes como Beto Guedes, Wagner Tiso, Alaíde Costa e Toninho Horta. Como esses nomes iam chegando?

LB – Foi legal também na hora da gravação. A Alaíde era amiga do Milton e ela a convidou. Todas eram pessoas que orbitavam em torno do Milton. Eu só levei o Beto Guedes, que é meu contemporâneo, gosta de tocar Beatles como eu. Eu falei para o Milton que não ia ficar sozinho no Rio. O Beto era meu braço direito, e já conhecia o Milton desde quando tinha 10 anos. O Milton ficou surpreso quando eu disse que queria levar o Beto. E foi muito legal por que ele tem uma participação muito ativa no disco. (Quanto aos outros) Eu já encontrei essa turma toda radicada no Rio, todos amigos do Milton.

DISCOGRAFIA – E é curioso por que, apesar de ser seu primeiro disco e de você ter apenas 20 anos, o seu repertório no disco é muito adulto.

LB – A minha primeira composição foi Para Lennon e McCartney. As canções que eu fiz foi uma coisa de sorte, meio iluminada. São as coisas que as pessoas mais querem ouvir ainda hoje nos meus shows.

DISCOGRAFIA – Na época do Clube da Esquina, você era um jovem estreante e o Milton já contava com algum respeito no meio. Como era essa relação de vocês e a proposta desse disco chegou na gravadora?

LB – A gravadora achou que era uma maluquice do Milton. Eu era um cara totalmente desconhecido e aquele era um álbum duplo (em LP). Mas o Bituca falou que, se eles não topassem fazer o disco, ele iria rescindir o contrato e oferecer o projeto para outra gravadora. Mas, quando eles viram as canções, pensaram “pô, o Milton ta certo”.

DISCOGRAFIA – Quais eram seus medos ou apreensões na hora dessa gravação?

LB – Na verdade, eu me reverti de uma saudável irresponsabilidade. Se eu levasse muito a sério, iria travar nas quatro rodas. Imagina, Eumir Deodato, Wagner Tiso, Paulo Moura e eu com 20 anos gravando ao vivo com orquestra. Eu fiquei bem desencucado. É melhor fazer do jeito que eu quero e deu certo.

DISCOGRAFIA – A capa do Clube da Esquina foi escolhida meio que por acaso. O que vocês pensavam antes de ver a foto dos meninos?

LB – Na verdade, eu não tinha ideia nenhuma. O produtor era o Milton e ele pensava a respeito de capas. Pra mim era uma novidade tão grande que eu não ia dar palpite na capa. Foi o Ronaldo Bastos que saiu fotografando com o Cafi e ficou a capa belíssima. Eu só sei que, na verdade, eles queriam que fosse foto. Acabaram encontrando essa, que, como é um pretinho e um branquinho, simbolizou eu e o Milton. Muita gente ainda pensa que ali somos nós dois mesmo.

DISCOGRAFIA – Seis anos depois, foi a vez de um segundo Clube da Esquina, dessa vez com novas adesões, como o Flávio Venturini e o Vermelho (14 bis), e convidados como Elis Regina e Gonzaguinha. Como foi esse reencontro com a turma?

LB – Eu fui ao estúdio poucas vezes. Nesse outro, eu fui convidado pra fazer duas músicas. Então minha participação é menor.

DISCOGRAFIA – E alguma vez surgiu em você a vontade de fazer um terceiro volume?

LB – Pois é, tem essa demanda do terceiro. Costumo dizer que o titular da pasta é o Milton. Faremos se e quando ele quiser. Nunca partirá de mim. Vontade mesmo, eu não tenho. Depois do (volume) dois, cada um seguiu sua carreira com vontade. O três já soaria como uma forçação de barra. Eu nunca quis. Só faria se recebesse o convite do Milton.

DISCOGRAFIA – O que aconteceu com o Clube depois desse segundo disco? Qual foi a herança deixada por aquele movimento?

LB – Eu acho que a música brasileira é muito mais diversificada. Não dá pra saber quem bebeu nessa fonte por que é muito original. O Lenine, certa vez, disse pra mim “você é meu professor”. E, ao mesmo tempo, o que ele faz que não tem nada a ver. O Skank também não tem nada a ver com o nosso som, mas eu e o Samuel somos parceiros.

DISCOGRAFIA – Essa semana você se apresenta em Fortaleza com o Flávio Venturini. O que esse encontro representa pra você?

LB – O Flávio é um cara de uma trajetória contemporânea, que começou nos 1970. Eu o conheci em Belo Horizonte. Numa época, todo 25 de dezembro, nós fazíamos um show com o (grupo) Fio da Navalha, que ensaiava na casa do Flávio. A banda era eu, o Beto (Guedes), Tavinho e o Flávio, na época todos desconhecidos. Nosso contato aprofundou mais no Clube da Esquina 2. Desde essa época tenho admiração pela carreira muito brilhante, iluminada dele. É uma alegria poder ter esse encontro. Talvez faça um ano que não nos encontramos. Como somos experientes, basta tocar um pouco e tá pronto nosso ensaio. Pra mim é um dia muito especial.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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