Aos olhos de hoje, tudo ali estava fadado ao fracasso. Das quase 500 mil pessoas que compareceram ao Festival de Woodstock, realizado em agosto de 1969, menos da metade pagou o ingresso. As demais derrubaram grades e invadiram o lugar, que estava sendo preparado para receber cerca de 150 mil pessoas. Num ambiente caótico, a sujeira servia como cama e assento para uma legião de jovens que faziam dos próprios corpos um laboratório de substâncias químicas de procedência nada confiável. Resultado: mortes por overdose, alguns abortos, 5.162 atendimentos médicos e engarrafamentos quilométricos.

Apesar disso tudo, o Woodstock é uma lenda na história da música. É que naquele palco, montado de última hora num fazenda localizada no interior dos Estados Unidos, passaram alguns dos nomes mais importantes da história do rock. Artistas que desafiaram a própria humanidade e passaram a serem adorados como deuses, imortais, heróis. Entre eles estava o guitarrista James Marshall Hendrix, uma exceção à regra de que toda unanimidade é burra. Jimi Hendrix, que completaria 70 anos no próximo dia 27, tinha uma intimidade tão grande com seu instrumento que precisou de apenas três discos para reinventar o modo de tocá-lo.

Uma das partes do trio Experience, Hendrix fundia blues, rock, funk, jazz com tanta personalidade, que chegou despertar curiosidade e inveja de boa parte dos seus contemporâneos. Eric Clapton, que detém o nada modesto título de “Deus da Guitarra”, chegou a pensar em desistir quando viu aquele negro esguio forçando ao máximo os limites daquelas seis cordas. “Se eu sou Deus, ele é o quê?”, disse o inglês na época. Já Pete Townshend, da banda britânica The Who, um dos mais bem acabados produtos da época, travou uma guerra em busca do posto de maior guitarrista do mundo. Sua banda até conseguiu um lugar de destaque na enciclopédia do Rock, mas, na guitarra, sinto muito. A concorrência era cruel. Até mesmo o exibido e pavoneado Little Richard tirou Jimmi da sua banda quando percebeu que o guitarrista chamava mais atenção no fundo palco do que ele bem à frente.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=SQ7dJ_hmorA[/youtube]

Apesar de tanto talento e de uma adoração que permanece 42 anos depois de morte de Jimmi, o que se sabe é que ele era um cara tímido e calado. Filho de uma modesta família de Seattle, EUA, passou a infância pulando de casa em casa, já que seus pais viviam num espiral de pobreza, álcool e brigas. O pouco tempo entre o primeiro encontro e a gravidez de Lucille Jeter sempre fez Al Hendrix desconfiar da fidelidade da esposa. Por conta disso, ele passou a vida descontando no filho o pé atrás que tinha com a mulher. Até o nome do filho, batizado como Johnny Allen Hendrix, Al mudou, com medo de que Lucille tivesse dado à criança o nome de algum amante. Mas, se por um lado Al era distante do filho, por outro foi ele quem deu a James seu primeiro instrumento, um velho violão.

Aos 17 anos, James consegue sua primeira guitarra e começa a tocar com diversas bandas desconhecidas, como Rocking Kings, e outras conhecidas, como os Isley Brothers e Curtis Knight. Sua necessidade de música era tanta, que, mesmo no exército, ele costumava levar seu instrumento para a cama. Foram 13 meses de treinamento militar, até que uma providencial torção no tornozelo garantiu ao então para-quedista a dispensa necessária para que ele colocasse sua música adiante.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=cwugqkxYW_w&feature=related[/youtube]

Assim como o serviço militar foi só uma desculpa para sair de casa, o acidente também fez Hendrix partir em busca de espaço para sua música. Foram mais de 3 mil Km pela américa do norte, tocando em pequenos lugares. Depois de uma longa estrada de apertos, fome e frio, Hendrix foi visto no Café Wha? pela modelo Linda Keith, que ficou boquiaberta com o estilo incendiário do músico. Ela então passou a persegui-lo por todos os bares e disparou a falar seu nome para todos os amigos músicos que conhecia. Entre eles estava Chas Chandler, baixista do Animals, que começava a procurar espaço como produtor.

Aquele encontro foi definitivo na vida de Jimmy James, como ele se apresentava na época. Mudando o nome para Jimi Hendrix, Chandler resolveu tomar o guitarrista como seu primeiro produto e logo tratou de leva-lo para a Inglaterra, onde o exibiria para a nata roqueira do Reino Unido. O turbilhão de eventos que se sucede daí em diante envolve traições, prisões, solos furiosos e drogas. Muitas drogas. Foram apenas quatro anos entre a descoberta e morte de Hendrix, em 18 de novembro de 1942. Embora os fatos ainda estejam envoltos de mistério, é sabido que o corpo do músico foi encontrado sem vida depois de ter se engasgado com o próprio vômito.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=cP6Xagoiafw&feature=related[/youtube]

Apesar de trágico, o coquetel de drogas, confusões e mistérios ajudou a alimentar o mito de um artista que transformou sua guitarra numa bandeira de liberdade. Última atração do Woodstock, o show de Jimi Hendrix poderia ter sido um fracasso diante de uma plateia mínima e ressaqueada pelos três dias de farra. Mas quem estava no palco tinha bem mais que um punhado de músicas para tocar. Foi então, que ele começou a improvisar o hino americano, num embolado de distorções que simulavam os sons da Guerra do Vietnã. A cena correu o mundo e se tornou um dos pontos altos do evento, cristalizando para sempre a imagem heroica de um músico inesquecível.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles