Fotos: Sara Maia

Odair José é um homem de voz baixa. Falando quase sempre com a cabeça baixa, suspendendo as sobrancelhas para encarar seu interlocutor, ele é discreto no tom e no vestir. Bem diferente do som zoadento – objetivamente e figurativamente – que lançou nos anos 1970. Falando em prostitutas, pílula anticoncepcional e do amor de uma empregada doméstica com seu patrão, ele fez uma barulho ensurdecedor entre ouvintes mais conservadores e angariou amores e ódios ao seu trabalho, quase sempre com opiniões bem passionais.

Numa época em que qualquer ousadia rapidamente ganhava caráter político, o sucesso de Uma vida só, mais conhecido como “a da pílula”, provocou um ruído enorme que foi ouvido no Brasil inteiro. Tocando maciçamente nas rádios, fazendo shows, participando de programas de TV, ele ganhou muita fama e dinheiro. Acabou perdendo uma boa parte com drogas, mulheres e farras. Também protagonizou escândalos, como as brigas midiáticas com a ex-esposa e também cantora Diana.

Mas tudo isso é passado. Embora não tenha pedido aquela veia poética achada entre cabarés e bares esfumaçados, hoje ele prefere o tom mais discreto. Com passos curtos, ele se aproximou da equipe do DISCOGRAFIA para uma conversa franca sobre as muitas histórias que viveu nos discos e fora deles. Foi pouco mais de uma hora revolvendo passagens engraçadas, tristes, curiosas. Mesmo nos momentos mais incômodos, a sobriedade não lhe deixava o rosto. “Empregada nunca pregou um retrato meu na parede do quarto. Se existia um cantor que a empregada não gostava era o Odair José, por que eu não sou bonito, eu não sou um tesão”, comentou o homem que já revelou que queria ser o John Lennon (apesar de ser mais chegado ao som do McCartney).

A entrevista com Odair José aconteceu na semana do seu aniversário, comemorado no dia 16 de agosto. Hospedado num hotel, onde já é freguês e amigo do dono, localizado na Praia de Iracema, o cantor veio a Fortaleza para divulgar seu novo disco, Praça Tiradentes, onde abre uma nova frente no seu trabalho: uma parceria com o maranhense Zeca Baleiro. Apesar de ter achado que o repertório não se encaixa bem no seu momento, ele não nega que o novo trabalho foi muito bem feito. “Acho que ele tem que ser mais rock and roll. Tem que ser mais festa. O meu interesse é de fazer um show onde o cara não vá nem pro banheiro”, explica aos 64 anos. Pois aumente o rádio e acompanhe a entrevista.

DISCOGRAFIA – Você lançou seu primeiro disco em 1970…

Odair José – Na verdade, eu tenho um disco meio independente em 1969. Eu sou, talvez, um dos primeiros artistas que fez disco independente nesse País. Eu fiz num selo chamado Genial, que era uma editora musical do Rossini Pinto com sociedade do Roberto Carlos. Eu ficava lá pedindo pra ele (Rossini) produzir um disco meu. Ele era produtor, compositor famoso na época, e me deu esse disco de presente, um compacto que tinha uma música chamada Uma lágrima (parceria com Francisco Lara), que eu regravei no disco seguinte, e que até o Pato Fu tocou num disco tributo.

DISCOGRAFIA – E o que aconteceu despois dessa gravação?

Odair José – O disco não tinha no mercado. Foi me entregue 250 compactos, só pra satisfazer o desejo do garoto que queria gravar um disco. Eu peguei esse disco e fui pras rádios do Rio de Janeiro, eu morava lá, e coloquei a música entre as mais tocadas nas rádios. E sem ter gravadora! Aí, em 1970, eu fui contratado pelo próprio Rossini Pinto, e pela CBS, que era a grande gravadora do Brasil naquele momento. Existia ela e, bem longe, as outras. O Brasil conhece o Odair a partir daí.

DISCOGRAFIA – E nesse disco tem uma música do Raul Seixas (Tudo acabado).

Odair José – Eu conheci o Raul nesse período, de 1969 ou 1968. Ele vivia ali (no Rio de Janeiro), era produtor (da CBS) e músico. Inclusive, no disco ele toca guitarra e violão. É que os discos da CBS naquela época, você pode ver, as gravadoras não ousavam colocar nomes de músicos nas capas de disco, dar crédito ao músico. Nem nos do Roberto (Carlos) nem de ninguém.

DISCOGRAFIA – E o que mais você gravou nessa época?

Odair José – Eu comecei lá gravando uma música chamada Minhas coisas, que eu toco até hoje. É um clássico. Tem até um jornalista do Estado de São Paulo que me surpreendeu outro dia, eu achei engraçado, ele citou (a música), como uma das obras primas da música brasileira. Eu achei assim meio exagerado, mas continuei lendo o texto pra ver onde ele ia chegar com aquilo. É por que ela diz que as coisas do cara se acostumaram com a pessoa. Depois a mulher vai embora, essas coisas todas ganham um tom de tristeza. Essa música fez parte de um disco que CBS fez na época, chamado As 14 Mais, que era um projeto muito vitorioso, que reunia vários compositores, inclusive o Roberto Carlos, que era um grande fenômeno naquele momento. E eu fui incluído ali. Pra mim foi uma loteria, por que a partir dali você já se tornava conhecido. Depois eu fiz o primeiro LP.

Continua no próximo post…

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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