Quando a Jovem Guarda deixou de ser moderna, já no fim dos anos 1960, o trio de ouro responsável por dar uma cara ao gênero foi em busca de novos caminhos para suas carreiras. Roberto Carlos abraçou a soul music e gravou os melhores discos de sua carreira. Wanderlea também não perdeu os ares tropicalistas que ainda sopravam pelo País e lançou, em 1972, um álbum com repertório maduro e invejável.

Sem querer perder o bonde da evolução, Erasmo Carlos também foi atrás do seu espaço e lançou um disco ainda hoje cultuado como clássico. Meio hippie, meio louco, Carlos, Erasmo é estranho até no nome. Produzido por Manoel Barenbein, Erasmo e Nelson Motta, e contando com as participações de parte dos Mutantes e do maestro Arthur Verochai, o LP lançado em 1971 inaugurou a fase Philips do compositor carioca. De quebra, inaugura também o início de uma época de criatividade à flor da pele, revelada em canções delicadas, libertinas e poéticas.

É bem verdade que, olhando um pouco para trás, o carioca da Tijuca já vinha se distanciando dos roquinhos de gatas e carrões desde o início da década de 1970. Seu disco anterior, chamado de Erasmo Carlos e os Tremendões, veio na sequencia de alguns compactos e já apontava pra uma estética mais adulta, colocando um pé na MPB. Ao lado do rock Estou 10 Anos Atrasado e da belíssima Sentado À beira do Caminho, ele trazia canções de Caetano Veloso (Saudosismo), Antônio Adolfo (Teletema) e até do mestre Ary Barroso (Aquarela do Brasil). Aquela tentativa, ainda medrosa, de soar mais adulto chegou ao ponto ideal no ano seguinte.

Atirando despudoradamente para todos os lados, Carlos, Erasmo bebe nas mesmas fontes black que o parceiro Roberto beberia naquela época. Talvez por isso, ambos tenham lançado trabalhos igualmente fortes e inesquecíveis num mesmo período. Abrindo com a ginga de De noite na cama, presente de Caetano Veloso, o disco segue por uma trilha sinuosa e perfeita, que se encerra com Maria Joana, uma ode politicamente incorreta de Roberto (quem diria…) e Erasmo aos alteradores de consciência. Ainda da dupla mais celebrada da MPB, tem ainda um blues melancólico e furioso (É preciso dar um jeito meu amigo) e o flower power de Gente aberta. Com direito a um riff poderoso de guitarra, Dois animais na selva suja da rua (Taiguara) mistura poesia e crueza, enquanto Agora ninguém chora mais é puro balanço de Jorge Ben.

Sem bundamolismo, Carlos, Erasmo é coisa fina, disco influente na carreira de um artista que precisa ser escutado sempre. Se o repertório é irretocável, a execução conta com gente do quilate de Rogério Duprat, Chiquinho de Moraes e dos mutantes Sérgio Dias, Liminha e Dinho Paes Leme. Não por acaso tornou-se um dos tesouros mais procurados em sebos do Brasil. O álbum ainda inaugurou um trabalho de mais de 20 anos na gravadora Philips, por onde Erasmo lançou uma infinidade de hits ainda obrigatórios. E, à medida que seu parceiro mais constante, Roberto Carlos, foi se cansando das ousadias e deitando no berço esplêndido do sucesso, Erasmo foi em busca de novos parceiros, ideias e aventuras. Uma prova de que Erasmo Carlos é bem mais que o parceiro do Rei.

Faixas de Carlos, Erasmo (1971):

1. De Noite Na Cama (Caetano Veloso)
2. Masculino Feminino (Homero Coutinho Filho)
3. É Preciso Dar Um Jeito Meu Amigo (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
4. Dois Animais Na Selva Suja Da Rua ( Taiguara)
5. Gente Aberta ( Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
6. Agora Ninguém Chora Mais (Jorge Ben)
7. Sodoma E Gomorra (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
8. Mundo Deserto (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
9. Não Te Quero Santa (Vitor Martins/Saulo Nunes)
10. Ciça Cecilia (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)
11. Em Busca Das Canções Perdidas Nº2 (Fabio/Paulo Imperial)
12. 26 Anos De Vida Normal (Paulo Sergio Valle/Marcos Valle)
13. Maria Joana (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)

> Dois Animais Na Selva Suja Da Rua ( Taiguara) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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