Fotos de John Fitzgerald

O ano de 1989 foi marcado por muitas transformações. No Brasil, enquanto Fernando Collor era escolhido o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois da Ditadura Militar, o mítico roqueiro Raul Seixas se despedia da vida para entra para a história. No mesmo ano, enquanto Os Simpsons estreavam na TV americana, o mundo assistia ao vivo a queda do Muro de Berlim.

Esse as pessoas que assistiram esse último episódio, estava o jovem alemão Hansel. Criado no lado oriental da Alemanha, ele passou a vida ouvindo as rádios americanas e a voz da mãe dizendo lhe falando sobre a necessidade de se encontrar uma cara metade, a pessoa a quem se foi destinado para dividir uma vida inteira. Impressionado com isso, ele decide partir em busca desse amor, que acaba encontrando no recruta Luther. Mil sonhos de amor começam a ser criados, no entanto, para que o enlace seja efetivado, Hansel teria que se submeter a uma cirurgia de troca de sexo.

Com a anuência da mãe, Hansel topa fazer a cirurgia, que não acaba da melhor forma. Além de ter lhe sobrado um pedaço do que deveria ter sido retirado, Luther o abandona no Kansas, EUA, e vai viver com um garoto mais jovem. Para piorar, o ex-amor ainda lhe rouba algumas canções e se torna um grande astro do rock. Largado e sem planos para a vida, Hansel muda de nome para Hedwig e monta uma banda de rock chamada O Centímetro Enfurecido, em homenagem àquela lembrança que lhe sobrou entre as pernas.

Essa história trágica, hilária e inesperada, é contada no espetáculo Hedwig e o Centímetro Enfurecido, em cartaz até domingo na Caixa Cultural. Escrita em 1998, a peça é um musical off-Broadway de John Cameron Mitchell e conta com trilha sonora de Stephen Trask, que já trabalhou com Debbie Harry e Joey Ramone. A versão nacional tem direção do ator e roqueiro Evandro Mesquita e traz uma banda no palco, formada por Diego Andrade (bateria), Melvin Ribeiro (baixo), Fabrizio Iorio (teclado) e Pedro Nogueira (guitarra).

Já adaptado para o cinema (contando com o próprio Cameron no papel principal), Hedwig já foi montado mais de 50 vezes pelo mundo. No Brasil, quem primeiro encarnou a transexual metaleira foi o ator Paulinho Vilhena, em 2010. Cercado de elogios e com público de mais de 10 mil pessoas, a peça agora conta com Pierre Baitelli (o Douglas da Malhação) como protagonista. Ao lado dele, Felipe Carvalhido interpreta uma segunda versão de Hedwig, para evidenciar a complexidade e bipolaridade da personagem.

“É uma personagem multifacetada, que tem uma história muito trágica, mas ela conta tudo de forma sarcástica. Nem é homem, nem é mulher”, explica Pierre, explicando o interessante de se ter dois atores fazendo o mesmo papel. A ideia foi, inclusive, aprovado pelo autor, que esteve no Rio de Janeiro no último fim de semana e assistiu à adaptação. “Foi bacana, mas foi tenso por que temos a nossa leitura. Ele recebeu super bem, elogiou e disse que foi a adaptação que ele mais gostou”. Com direito a cílios pesados, saltos gigantescos e longas e volumosas perucas, os atores passam cerca de uma hora recebendo uma caracterização digna de drag queen. “Nosso maquiador é um artista que transforma homens horrorosos em duas mulheres lindas”, brinca o ator que ainda incluiu na preparação horas de Iggy Pop, David Bowie, Lou Reed e outros astros do glam rock. “Foi um desafio por que nunca fui muito do rock, mas do jazz, blues e bossa”, confessa.

Para o diretor Evandro Mesquita, as exigências para assumir o papel de Hedwig era que fosse alguém que cantasse bem e que tivesse uma atitude pouco convencional, fora do padrão. “Foi muito difícil chegar aos atores, testamos mais de 20”, lembra o eterno vocalista da Blitz. Orgulhoso por realizar o sonho de dirigir uma ópera rock, Evandro revela que buscou a originalidade para realizar o projeto. “Não vi as outras adaptações. Tem o filme que é cult, mas eu não quis imitar. Foi um desafio interessantíssimo, com dois anos de preparação”, lembra.

O resultado disso foi o Prêmio Arte Qualidade de melhor ator de musical para Pierre Baitelli, além das indicações para Melhor atriz de musical (Eline Porto), Melhor diretor de musical (Evandro Mesquita), Melhor espetáculo musical. A produção também foi indicada nos prêmios Shell (Melhor ator para Pierre Baitelli e Melhor som) e Contigo (Melhor musical em versão brasileira). É a fato que a vida de Hansel foi difícil e cheia de tropeços. Já a do espetáculo Hedwig tem ganho bem mais brilho.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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