À partir do início da década de 1960, uma guerra tomava conta das ruas do Brasil. Aqui não me refiro àqueles que pegaram em armas para lutar contra a Ditadura Militar. É que ao lado destes, era também a época dos grandes festivais de música, espaço que mobilizava e dividia o País na escolha dos melhores compositores e intérpretes. Cada evento contava com um elenco de grandes estrelas, sempre cercadas com o que havia de melhor em termos de produção. Mesmo que nesse certame só se disputasse com caneta, papel e microfone, a briga era bem feia.

Um dos mais marcantes dessa época em que todo espaço era espaço para se fazer política, foi o Festival Internacional da Canção, que está sendo resgatado pelo selo Discobertas com a reedição dos álbuns lançados na época. Considerado o último festival de música a realmente mexer com o Brasil, ele chegou a sete edições cheias de fortes emoções. Divididos em duas caixas, os 14 discos cobrem os seis anos do FIC (1966 – 1972), ao mesmo tempo que passeiam pelas muitas transformações que a música brasileira conheceu nesse período.

A ideia de criar um festival internacional de música veio do paulista Augusto Marzagão. Amigo de alguns nomes da indústria da música, ele contou com o apoio do então governador da Guanabara, Negrão de Lima (em retribuição ao apoio de Marzagão na sua eleição), para botar pra frente o desejo que tinha de realizar aquele mega projeto. Dividido em duas fases, uma nacional e outra internacional, o FIC lotou o Maracanãzinho e teve, inicialmente, a transmissão da TV Rio, uma vez que a Globo não apostou na aventura. Arrependida da besteira que fez, ela passaria a assumir a cobertura no ano seguinte.

Da fossa de Maysa ao rock de Raul Seixas, muitos nomes deixaram sua marca, naquele palco. Nesses primeiros anos de festivais, ainda não era comum ver os próprios compositores defendendo suas músicas. Por isso, elas eram distribuídas entre os intérpretes profissionais. Elis Regina, por exemplo, que já havia explodido com Arrastão no I Festival de Música Popular Brasileira (1965), era tida como uma vitória certeira quando cantou Canto triste, do então namorado Edu Lobo em parceria com Vinicius de Moraes. Além dela, nomes como Wilson Simonal, Taiguara, Miltinho e Altemar Dutra emprestaram voz e credibilidade ao FIC. Maria Bethânia também ficaria entre eles nessa primeira edição, mas somente durante um dia, quando defendeu Beira mar (Caetano Veloso/ Gilberto Gil), pra nunca mais botar os pés num festival.

No entanto, nem todo mundo que cantou no FIC conseguiu despontar e segurar uma carreira. É o caso da curitibana Stelinha Egg (1914 – 1991), esposa do maestro Lindolfo Gaia, que interpretou a dramática Canção de ninar a amada (Reginaldo Bessa) em 1966 e, dois anos depois, a marcha Rua da Aurora (Durval Ferreira/ Tibério Gaspar). Já experiente nos palcos, a paulista Maricene Costa é outra ilustre desconhecida (que ainda mantém uma carreira). Coube a ela, dona de uma voz rouca e elegante, gravar as vencedoras de 1967 Carolina (Chico Buarque) e Margarida (Guarabyra). No entanto, quem roubaria a cena naquele ano era o carioca de coração mineiro Milton Nascimento, que comparece nos discos com gravações cruas e belas de Travessia e Morro velho.

Figurar num disco das finalistas de um festival, naqueles tempos, era como ganhar uma medalha de honra ao mérito. Era entrar para a história da música, mesmo que se saísse logo depois. Por exemplo, foi no FIC de 1968 que Geraldo Vandré apresentou sua polêmica Pra não dizer que não falei nas flores, que perdeu para o lirismo de Sabiá (Tom Jobim/ Chico Buarque), interpretada por metade do Quarteto em Cy (Cynara e Cybele) sob uma avalanche de vaias. Dois anos antes, Nana Caymmi retomaria a carreira ao vencer a briga com Saveiros (Nelson Motta/ Dori Caymmi). Tony Tornado também faria a história no soul brasileiro cantando BR-3 (Antonio Adolfo/ Tibério Gaspar). No fechar de cortinas, ainda ficaria a lembrança de uma colorida e saltitante Maria Alcina dando voz a Fio Maravilha (Jorge Ben), enquanto o então produtor Raul Seixas se assumia cantor com Let me sing Let me sing. Depois do FIC de 1972, alguns festivais ainda aconteceriam e até consagrariam nomes como Leila Pinheiro e Eduardo Dusek. Mas aí o Brasil já era outro e cantar já tinha outro sentido.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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