Quando Joe Cocker subiu ao palco do Woodstock, em 1969, ele era praticamente um desconhecido. No entanto, desceu como um dos heróis do rock, em grande parte, por conta de um versão meio gospel de With a little help from my friends, canção dos Beatles lançada dois anos antes. Com todo respeito ao quarteto de Liverpool, a verdade é que a releitura explosiva de Cocker é bem melhor que a original. Botando o gogó pra trabalhar, o cantor inglês se lançou sem medo na canção e lhe deu um novo sentido.

Risco constante, o fato é que não existe regras na hora regravar a obra de alguém. Há quem soe referencial e quem busque mudar tudo (quando o risco é bem maior). Independente do resultado, homenagens e tributos ajudam a manter viva a memória da música. De olho nisso, neste fim de 2012, três homenagens chegam aos ouvintes jogando novas luzes sobre as obras de três ídolos da música brasileira: Renato Russo (1960 – 199), Elis Regina (1945 – 1982) e Belchior.

Começando por Renato, está chegando às lojas o show Concerto Sinfônico Legião Urbana, apresentado no Rock in Rio de 2011. A proposta foi unir Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, com a orquestra Sinfônica Brasileira (regida por Roberto Minczuk) e vocalistas variados. Apesar dos sopros e violinos, as canções sofreram poucas alterações em relação ao original. A diferença primordial, então, é a ausência da voz possante de Renato Russo. Tendo sido seu melhor intérprete, ninguém que subisse ali iria cantar melhor que ele. Cássia Eller talvez, mas essa também se foi.

Isso fica claro logo depois de um pot-pourri instrumental, quando Rogério Flausino entra. Escolhido mais pela popularidade do que pela adequação ao repertório, o vocalista do Jota Quest soa deslocado em Tempo perdido e Quase sem querer. O mesmo acontece com Pitty, pálida em Índios. Contemporâneo do homenageado, Toni Platão segura Quando o sol bater na janela do teu quarto como pode, enquanto o Marcelo Bonfá se sai melhor em O teatro dos vampiros. Deixando o melhor para o final, Herbert Vianna e Dinho Ouro Preto ganham pela experiência ao cantarem, respectivamente, Será e Por enquanto. No entanto, para a multidão ali presente, os convidados são detalhe. O que importa mesmo é a emoção de homenagear Renato Russo, e, só por isso, já valeu a festa.

Doce de pimenta

Emoção também é a palavra em Redescobrir, incensado trabalho onde Maria Rita dá voz à obra de sua mãe, Elis Regina. A turnê que marca os 30 anos de morte da cantora gaúcha – que já passou por Fortaleza e agora ganha registro em CD, DVD e Blu-ray – tem arrancado lágrimas copiosas até do público jovem, que não pode conferir pessoalmente a Pimentinha em ação. Dando de ombros para quem insiste em comparar sua carreira à da mãe, Maria Rita assume a responsabilidade de tomar para si um dos repertórios mais bem elaborados da MPB e faz bonito.

Com a gravidez ainda nos primeiros meses, o show gravado em São Paulo capta Maria Rita dando a medida exata de emoção e personalidade a 29 canções, muitas delas com registro definitivo na voz de Elis. Sem nem de longe querer soar melhor que a matriz, a filha soa respeitosa em Como nossos pais, O bêbado e a equilibrista e Romaria. Embora o filé de Redescobrir seja formado por clássicos, o projeto também garimpa algumas pepitas escondidas nos mais de 30 discos da homenageada, como a sensual Bolero de Satã, o sambão Agora tá e a politizada Onze fitas. Cercada por apenas quatro músicos (incluindo o namorado Davi Moraes na guitarra), Maria Rita deixa de lado as invenções e faz seu ofício de cantar e emocionar o público da melhor forma possível.

Latino-americano

Deixar de lado as invenções não é o caso agora. Em meio a notícias turbulentas, perseguições e sumiços mal explicados, Antônio Carlos Belchior também ganha uma homenagem que se volta para o que de fato importa: sua música. O projeto Belchior Blues reúne um time de blueseiros de vários estados brasileiros para dar uma nova roupagem a 14 bons momentos do bardo cearense. A ideia do tributo era homenagear os 65 anos de vida do compositor e os 40 anos da sua estreia em disco, ambos comemorados no ano passado. No entanto, só agora o disco ficou pronto e está disponibilizado para download gratuito.

Cantor de voz inconfundível, Belchior soube dar personalidade à própria obra e poucas vezes soou melhor na voz dos outros. Por isso, embora a proposta seja inovadora e algumas versões surpreendentes, Belchior Blues fica melhor à medida que os convidados se afastam do original para dar cara própria às canções. É o caso de Big Joe Manfra, cuja voz explosiva enche a Velha roupa colorida de peso. Mesmo sem a dramaticidade que a música pede, Arthur Menezes aposta no suingue em Hora do almoço, enquanto o gaitista Vasco Faé flerta com o gospel em Pequeno mapa do tempo (creditada como “Pequeno mapa do mundo”). Também entre os destaques, os cearenses da Blues Label jogam balanço em Paralelas, enquanto Felipe Cazaux transforma Rapaz latino-americano num lamento furioso. Certamente, onde quer que esteja, Belchior feliz com a homenagem.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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