O que tem em comum as baladas Se eu não te amasse tanto assim, Pra terminar e Nada por mim, sucessos, respectivamente, com Ivete Sangalo, Ana Carolina e Kid Abelha? A resposta é simples: todas foram compostas por Herbert Vianna. Há 30 anos assumindo firmemente a voz e a guitarra dos Paralamas do Sucesso, o paraibano de alma carioca emplaca hits e mais hits à frente do trio e, de quebra, empresta seu talento para outros artistas. Espécie de porto seguro para vozes em busca de algo simples e eficiente, Herbert já foi gravado por contemporâneos oitentistas, divas da MPB e novas gerações. Até o rei Roberto Carlos, que lhe negou a honra inicialmente, se rendeu tempos depois e pôs voz em uma de suas composições.

Em grande parte, essa onipresença de Herbert Vianna se explica pelo tipo de composição que ele adota. Simples na linguagem, positivo nas mensagens, inteligente nas críticas e plural nas melodias, essa é, em resumo, a fórmula do seu sucesso. Além disso, seu talento para o toque da guitarra, quase sempre, acaba rendendo também uma participação especial nos discos dos seus intérpretes.

Aos 51 anos, Herbert resolveu reunir essa produção paralela para compor seu quarto disco solo, Victoria. Olhando em retrospecto, o músico sempre aproveitou seus voos solo para fazer algo diferente do que faz ao lado dos amigos Bi e Barone. De 1992, Ê batumaré tem influência de João Cabral de Melo Neto, é árido e se volta para algumas mazelas nordestinas. Cinco anos depois veio Santorini blues, delicado e meio acústico, com composições próprias e versões de Eric Clapton e Fito Paez. De 2000, O som do sim é o solo mais pop, contando com um time valioso de vozes femininas e músicos.

Depois de 12 anos, Victoria chega com uma nova ideia. Para entendê-la, é preciso lembrar que, nesse intervalo, a vida de Herbert sofreu mudanças drásticas, quase todas envolvendo o acidente de 2001 que o deixou paraplégico e vitimou sua esposa. Por isso, o disco foi batizado com o nome dela, Victoria Lucy Needham Vianna. Gravado ao longo de um ano, nos intervalos de turnê, o disco tem um tom leve, melancólico e, ora, triste. Ao lado do paralamico, apenas Chico Neves, produtor, amigo e músico responsável por parte da sonoridade do trabalho.

Os silêncios que permeiam as 20 faixas de Victoria falam muito sobre o clima de intimidade que Herbert queria transmitir. Dá até para ouvir o arrastado dos dedos sobre as cordas do violão. Acrescentando uma percussão mínima, toques de minimoog (teclado muito usado nos anos 1970), sítar e xilofone, o disco parece mais um intervalo na hora do trabalho, do que um trabalho em si. E por isso ele é relevante.

O repertório foi formado por um punhado de grandes hits e muitas canções que ficaram perdidas em discos alheios. No primeiro time, está Se eu não te amasse tanto assim, a tal rejeitada por Roberto Carlos, que Ivete transformou em um dos pontos altos de sua carreira. Curiosamente, tempos depois, o Rei deu um passo atrás e registrou a balada em dueto com a baiana. Foi pra ela também que foi oferecida A lua que eu te dei, aqui enxuta de todos os excessos típicos da cantora. De 1992, Só pra te mostrar também foi hit na voz de uma baiana, Daniela Mercury, e foi uma daquelas que veio na época com direito a dueto com o autor.

Outra das antigas (e única inédita), Penso em você é uma sequencia de rimas pueris que só se justificam pelo fato de ser a primeiríssima composição de Herbert, feita antes mesmo da fundação dos Paralamas. Victoria guarda outras curiosidades em suas faixas. Canção pra quando você voltar foi escrita em parceria com Leoni, quando o ex-Kid Abelha levou o amigo para conhecer o budismo, como uma forma de ajudá-lo a superar a perda de Lucy. A versão original, que encerrava com um mantra indiano, foi gravada num belíssimo dueto do paralama com Leoni no disco Áudio-retrato (2003).

E Só sei amar assim foi a primeira música de Herbert gravada depois do acidente, ainda em 2001. A tarefa coube a Zizi Possi, no disco Bossa, e ainda contou com João Barone nas baquetas. Já Nada por mim é outra canção de amor, lançada em 1985 por Marina Lima, mas composta ao lado de Paula Toller, então namorada de Herbert. Doce, direta e sofrida, essa é de uma época em que ele assumia ter mais facilidade para compor sobre as dores e as perdas. Hoje, ele não perdeu essa veia, mas prefere dar outras cores à própria tristeza.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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