A voz mansa que atende o telefone em nada lembra a figura eletrizada, andrógina e explosiva que berra canções falando sobre o submundo de Fortaleza. Seu nome é Jonnata Doll, cantor e compositor, que faz do seu corpo um instrumento de afirmação e desacato. Convidado para uma conversa com o Vida & Arte no final de 2011, ele até se espantou quando soube que seria uma aposta no campo cultural para o ano seguinte. “É, eu fiz muita coisa, mas…”, disse ele, um ano depois, como se quisesse se desculpar por não ter atendido às expectativas do caderno.

As desculpas são desnecessárias, uma vez que 2012 foi um ano de muito trabalho, vitórias e movimentação na vida do artista. Bem mais à vontade para uma conversa com a imprensa, ele recebeu o O POVO para uma longa conversa (sem regras ou pudores) em sua casa que começou pela espinha dorsal da vida: a música. Nesse campo, nada merece mais destaque que o disco de estreia dos Garotos Solventes, banda com quem já batalha há alguns anos no underground fortalezense.

As gravações começaram por volta de setembro, com os músicos tocando ao vivo no estúdio Magnólia. “É um esquema meio retrô. Eu não tava preocupado em passar para o disco a energia do estúdio. No disco você pode fazer coisas que são difíceis de fazer ao vivo”, explica Jonatta. Com produção do cearense radicado em São Paulo Yuri Kalil (Cidadão Instigado), o disco ainda sem nome (talvez somente Jonatta Doll & Os Garotos Solventes) ainda conta com uma participação de Dado Villa-Lobos (Legião Urbana) na faixa A rua de trás.

O lançamento, previsto para fevereiro ou março, vai ser pela gravadora Joia Moderna, curiosamente, um espaço aberto pelo DJ Zé Pedro exclusivamente para cantoras. Quanto à sua presença num espaço primordialmente feminino, nada a declarar. “Não sei. Só falei com ele (Zé) pelo facebook e depois o conheci numa festa do (programa) Vozes do Brasil. O contato mesmo (com a gravadora) quem fez foi o Duda Vieira (produtor da Karina Buhr)”, explica.

Apesar do clima de otimismo, o disco de Jonatta Doll teve que atravessar algumas barras bem pesadas. A música Esqueletos, por exemplo, já finalizada e tocando em algumas rádios, é fruto de uma parceria com Jonas Bruno, amigo e músico encontrado morto na sala da casa de Jonatta, no início de 2012. “Era um amigo de porralouquice, mas um cara muito sensível. Me senti culpado um tempo, mas depois entendi. Ele já estava planejando”, lembra. A perda do amigo fez o cantor atravessar um longo período de drogas, separações e exageros. Em seguida, resolveu tirar um período sabático, longe da cidade, em busca de tempos mais calmos. Segundo ele, parte dessa experiência vai estar impressa no disco.

Nessa volta, Jonatta Doll descobriu outros prazeres que tem lhe empolgado bastante. Está fazendo dança do ventre e planejando um espetáculo envolvendo música árabe, está de amor novo, a Carmen “Garota Iguana” Romero, e descobriu recentemente vídeos antigos que mostram a cena punk local. A ideia agora é transformar essas três horas de filmagens em um documentário que mostre por onde andam os velhos punks da Cidade. Além disso, foi durante 2012 que o artista, que também é sociólogo, encerrou sua pesquisa, via Fundação Oswaldo Cruz, sobre os usuários de crack de Fortaleza. Com tudo isso, Jonatta agora espera colocar seu disco embaixo do braço e sair tocando em todo canto. “Pelo que eu sei, não teve nenhum disco aqui com essa pretensão nacional. Espero lançar logo e me mudar para São Paulo, com o meu amor. To muito afim de conhecer o mundo”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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