Já virou um clichê: falou em rock nacional, imediatamente as pessoas remetem aos anos 80. Época prolífica em que surgiram nomes como Barão Vermelho, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e Kid Abelha, boa parte do nosso classic rock encontrou naquele período pós-ditadura um terreno fértil para expor suas ideias sobre o Brasil, a vida e o amor. Curiosamente, figuras como Ritchie, Dr. Silvana e Absyntho acabaram também levando suas carreiras dentro do balaio do BRrock.

Diante desse cenário tão variado dentro do entendimento do que seja rock, o Capital Inicial decidiu demarcar seu terreno lançando o disco Saturno. Aos 29 anos de carreira, os planos da gravadora eram para o quarteto lançar um novo projeto ao vivo e revisionista (como fizeram os colegas Paralamas e Kid Abelha) a ser apresentado quando se fechassem as três décadas. Refutando a ideia, eles preferiram um trabalho de inéditas que trouxesse de volta a energia daqueles primeiros anos.

“Esse disco é um pouco mais pesado, com tons mais escuros”, explica o baterista Fê Lemos por telefone. Para ele, assim como no disco de estreia, de 1986, a política brasileira foi um bom combustível para as composições, daí esse clima meio soturno.  “Esse momento é de certa desilusão do que pareciam ser mudanças no País. O sonho de igualdade, a gente vai se aproximando e ele vai se afastando. O disco não traz soluções. Ele aponta um vazio, uma falta esperança”, complementa em meio a uma série de opiniões políticas que, segundo o músico, representam o consenso da banda.

O resultado desse vazio político sentido pelo Capital é um disco nervoso, urgente, forjado basicamente com baixo, bateria e guitarra. Apesar de ter sido apresentado às rádios pela balada O lado escuro da lua, sete das 11 faixas de Saturno são feitas a base de pancadaria e riffs. Nesse ponto, palmas para Saquear Brasília, uma das nove parcerias de Dinho Ouro Preto com Alvin L, espécie de irmão gêmea de Veraneio vascaína. Ainda no quesito referência, Água e vinho remete a Fátima, uma daquelas do espólio do Aborto Elétrico que ficou o Capital Inicial.

O nome Saturno, segundo Fê Lemos, foi escolhido também pensando nesse clima pesado do disco. “Ele era um deus severo”, explica. Coincidência ou não, ele acrescenta que depois de ter o trabalho batizado, descobriu que o planeta Saturno leva 29 anos para dar uma volta ao redor do sol, exatamente a idade da banda. Segundo o release, além dessas, outras simbologias se espalham pelo disco, como a já citada O lado escuro da lua, que remete ao clássico do Pink Floyd, The dark side of the moon. Já o rock que abre o disco, O bem, o mal e o indiferente”, traz referências aos livros O bom, o mau e o feio, de Sergio Leone, e Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marquez.

De fato, boa parte dessas referências passam despercebidas e só devem chamar atenção naqueles que ficam buscando mensagens secretas até onde elas não existem. Ainda mais por que, como em boa parte da produção roqueira nacional, as letras nunca foram o forte do Capital Inicial. Ainda assim, eles não se negam o direto de buscar imagens fortes para suas letras (“Nas paredes brancas do quarto sobrou poeira suja em torno dos quadros”, contam em Poucas horas). De fato, quanto mais sujos e punks eles soam, melhor fica (mais um ponto para “Saquear Brasília”). Ainda assim, é digno ver que estes senhores, todos com mais de 40 anos, continuam dispostos a encarar o rock com crueza e dignidade. E, melhor, no lugar de olhar para olhar para o passado, permanecem firmes na luta, pensando no futuro.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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