A história do Cidade Negra chega aos 27 anos atravessando mudanças, reformulações, altos e baixos. Filhos da baixada fluminense, eles estrearam com o vocalista Ras Bernardo e gravaram dois discos marcados pelo discurso político e pela sonoridade mais voltada para as raízes do reggae. Em 1994, eles conseguem a consagração popular com o ótimo disco Sobre todas as forças, que registrou sucessos como Querem meu sangue, Onde você mora? e A sombra da maldade. Em grande parte, a explicação para o bom resultado desse disco é a entrada do ótimo vocalista Toni Garrido, dono de um empatia automática com o público. Rumando para um som mais pop, eles seguiram bem até se perderem no turbilhão do sucesso. Com a saída de Toni, que até lançou um disco solo sem grandes repercussões, o Cidade Negra agregou um novo vocalista, Alexandre Massau e gravaram o disco Que assim seja (2010), praticamente ignorado pela crítica e pelo público.

Eis que em 2012, um novo capítulo da história do Cidade Negra começa a ser escrito com o anúncio do retorno de Toni Garrido. Recebido com entusiasmo, ele chegou junto com uma turnê nacional que antecedeu o disco Hei, Afro! (Som Livre), uma compilação de 13 faixas inéditas que colocam o trio – agora sem o limitado guitarrista Da Gama – de volta à rota que o fez ampliar o público na década de 1990. Ao mesmo tempo que o disco deixa claro que eles não perderam aquela veia de 20 anos atrás, também demonstra que pouca coisa mudou depois de tantas idas e vindas. Eu fui, voltei usa trechos de Downtown – “Eu fui, eu fui, eu fui” – para anunciar “voltei” e já antecipa possíveis críticas dizendo “vê lá se não joga pedra no telhado dos outros”. Na mesma linha, Só pra detonar parte pra briga afirmando “se você já tem opinião, se for do mal, não tá bem, não vem só pra detonar”. A não ser por essa preocupação com a crítica, Hei, Afro não tem motivos para ser “detonado”. É um disco bem feito, com boa sonoridade e boas canções. Uma delas é Paiol de pólvora, sem trocadilhos, com um refrão explosivo. O mesmo pode ser dito de Hei, Afro, cuja levada acelerada promete um bom momento do show. Da linha paz e amor, Ninguém pode duvidar de Jah é uma versão com letra em português para When love comes knockin’, de Neil Sedaka e Carole Bayer Sager. Já a clássica Somewhere over the rainbow mantém a letra original, mas ganha um bom andamento reggae bem bacana. Mais próxima da época Ras Bernardo, Diamante tem levada dolente e praieira, assim como Contato, parceria com Alexandre Carlo, do Natiruts. Nova moda baiana, Magary Lord (e os parceiros Fábio Alcântara e Leonardo Reis) cede o reggae meio lisérgico Don’t wait. Fugindo um pouco dos clichês do reggae, Menino Rei é irmã gêmea de A cor do sol (do disco Quanto mais curtido melhor), enquanto Mole de amor traz uma fusão instigante de flautas, percussão e guitarras chorosas. Buscando um caminho próprio no meio do tão combalido samba reggae, essa faixa aponta para um caminho interessante de sonoridade. Hei, Afro ainda abre espaço para outros estilos com a discoteque Ignorius man e o rock Naturaleza. Para aumentar o tom de pessoalidade de Hei! Afro, apenas quatro faixas não são asinadas por Toni, Lazão e Bino Farias. Pelo mesmo motivo, coube a eles a produção de 11 faixas (outras duas foram entregues a Liminha). Apesar da capa bem feia, o resultado musical soa lógico e coerente, mas, depois de tanto tempo longe do público, o verdadeiro Cidade Negra precisava de mais.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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