urlAo longo da história, o samba já passou pelas mais variadas situações. Já teve um auge comercial, períodos de marasmo, influências engrandecedoras e outras que lhe custaram o preço alto do gosto duvidoso. Eis que, de uns anos pra cá, uma geração de artistas vêm se dedicando a resgatar as raízes desse gênero que é também patrimônio nacional. Em comum, essa geração tem o bairro da Lapa, reduto sambista carioca onde eles encontraram o ninho perfeito. Entre os nomes dessa turma está o Casuarina.

Longe das modernices, batidas eletrônicas ou misturas, muitas vezes, esdrúxulas, o Casuarina tem como trunfo o respeito pela velha guarda, sem querer fazer de conta que faz parte dela. Esse olhar cuidadoso para “os arquitetos da música brasileira” (como diz Marcelo D2) é a tônica do projeto comemorativo 10 anos de Lapa, que o quinteto carioca, formado em 2001, está lançando somente agora, com dois anos de atraso. Registrado num show gratuito realizado em maio de 2012, o DVD não podia ter outro cenário senão os icônicos Arcos da Lapa.

“Era um sonho nosso de muito tempo e não tinha lugar melhor pra fazer. Foi lá (na Lapa) onde nós começamos, onde surgiu uma cena. Foi ali que a gente aprendeu a fazer música”, explica Gabriel Azevedo, voz e pandeiro do Casuarina. Segundo ele, mais do que a comemoração da primeira década do grupo, o DVD comemora a revitalização de um bairro que durante muitos anos perdeu a marca da batucada para ganhar a fama de perigoso. “Nós queríamos gravar nesse contexto, gratuito. Nós vimos aquele lugar retomar sua vocação e queríamos dar um presente para o Rio de Janeiro”.

3003va0610Para tanta comemoração, o Casuarina arregimentou uma nata de artistas que ajudaram nessa recuperação da fama boêmia do bairro. Teresa Cristina, um dos nomes mais celebrados dessa geração, reina com sua simplicidade sofisticada em Dia da graça (Candeia). Menos conhecido, mas dono de um ritmo irrefreável, Marcos Sacramento dá uma goleada em Devagar com a louça (Luiz Reis/ Haroldo Barbosa), que ainda conta com os sopros luxuosos de Zé da Velha e Silvério Pontes. Já Moyseis Marques dribla a letra cascuda de Linha de passe (João Bosco/ Aldir Blanc), enquanto Pedro Miranda e Ana Costa fazem o óbvio em Beija-me (Roberto Martins/ Mario Rossi).

Quando sozinho, o Casuarina também dá conta do seu recado muito bem. Numa homenagem a Chico Anysio (1931 – 2012), eles emendam a belíssima Rio Antigo com a sincopada Nicanor Belas Artes, parcerias do cearense, respectivamente, com Nonato Buzar e João Nogueira. “O Chico é um gênio. Eu só consigo compará-lo ao Charles Chaplin. Quando ele morreu, se celebrou muito o humorista, o dramaturgo, mas se deixou de lado o compositor”, aponta Gabriel Azevedo.

10 anos de Lapa também abre espaço para o lado compositor do quinteto, sedimentada no disco Trilhos/ Terra firme (2011). Foi dele que saíram DissimulataTrilhos e Samba de Helena, homenagem de Gabriel à filha. Desse repertório próprio, Ponto de vista, de João Cavalcanti, é um destaque que deve ter audição obrigatória na vitrola dos sambistas de qualquer geração, principalmente por conta da letra inspirada (“Guardado no bolso do louco há sempre um pedaço de deus”).

Ao longo de quase duas horas de música, o Casuarina ainda recebe Délcio Carvalho, Lenine, Áurea Martins, Nilze Carvalho e outros convidados. De jeans e tênis, eles se mostram competentes na arte de fazer música simples e divertida, sem a pretensão de “renovar” o samba. Mesmo renegando o título de “talibambas” (apelido dado aos puristas do samba), é bem verdade que eles têm os dois pés fincados na tradição e devem garantir mais 10 anos de carreira desse jeito.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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