Marcada por antíteses profundas, a vida de Sérgio Sampaio nunca foi das mais fáceis. Nascido com uma bela voz e um toque eficiente no violão, era também compositor de letras amargas, cruéis e, por vezes, cínicas. Apesar de ter nascido em Cachoeiro do Itapemirim, terra do Roberto Carlos, nunca teve uma canção sua gravada pelo conterrâneo famoso. Até recebeu algumas comparações desatentas, de quem quis lhe imputar o papel se sucessor de Roberto. Mas Sampaio sabia que seu buraco era mais embaixo.

Marginal até onde podia, ele mesmo não brigava pelo protagonismo na MPB. Talvez um pouco mais de reconhecimento não fosse mal. Mas sua briga maior era pela liberdade artística. E aí, nesse ponto, ele venceu. A discografia de Sérgio Sampaio é tão curta que cabe nos dedos da mão. Por outro lado, é tão forte e tão pessoal, que funciona melhor que qualquer biografia. Filho de um maestro de banda (e dono de tamancaria) com uma professora primária, o compositor era aficionado pelos cantores do rádio. Radicado no Rio de Janeiro, chegou a trabalhar em algumas emissoras, mas logo deixou o emprego para se dedicar à própria música.

Um dia conhece um Raul Seixas também em busca de apresentar as próprias canções na própria voz. Trabalhando como compositor profissional e produtor, o baiano é tido como descobridor de Sérgio e foi quem abriu as portas da CBS para que ele apresentasse canções que foram gravadas pelo casting da gravadora. Em seguida, Raul e Sérgio articularam uma ópera rock inspirada em The Who e Frank Zappa. Contando ainda com Miriam Batucada e Eddy Star, A Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10 seria o primeiro fracasso comercial de Sérgio, apesar do futuro reconhecimento como inovador.

A estreia em LP solo em 1973 veio na cola do sucesso de Eu quero é botar meu bloco na rua. Já apresentada no IV Festival Internacional da Canção, e lançada no álbum que reunia as finalistas da contenda, a marcha foi a única experiência de sucesso popular de Sérgio, apesar do disco ter sido um fracasso de vendas. Depois de um casamento, alguns compactos e um tempo afastado da carreira, ele recebeu um convite da gravadora Continental para um segundo LP.

Trazendo uma piada embutida no título, Tem que acontecer (1976), apesar das boas críticas, passou despercebido pelo público da época. E olha que a produção é luxo só. Os arranjos são de João de Aquino e Lindolfo Gaya, e o instrumental conta com estrelas do brilho de Laércio de Freitas (piano), Abel ferreira (saxofone), Paschoal Meirelles (bateria), Altamiro Carrilho (flautas), Marçal (percussão), Golden Boys e as Gatas (vocais).

O repertório é um apanhado de reflexões sobre uma vida equilibrista. “Eu tô doente do peito, doente do coração. A minha cama já virou leito. Disseram que eu perdi a razão”, canta em Que loucura, belíssimo fox em homenagem a Torquato Neto. Até as próprias idiossincrasias foram tema para A luz e a semente. “Eu, embora seja um menino, sou mais um pobre felino que tropeçando bêbado pelas calçadas, me recordando de não ter bebido nada”, divaga sem limites. Guiado pelo violão de Renato Piau, Sérgio Sampaio descreve o pensamento delirante e poético em Cabras pastando: “Eu tenho o dom de causar consequências, um ar de criar evidências, um sapato novo no lixo”.

Depois de Tem que Acontecer, seguiu sua toada marginal em busca de reconhecimento para sua obra. Teve músicas gravadas por Zizi Possi, Erasmo Carlos, Doris Monteiro e Miriam Batucada. Depois de mais alguns compactos, em 1982, grava Sinceramente, disco independente que encerra sua discografia oficial. Vocacionado para o trágico, Sérgio Sampaio morreu em 1994, depois de anos exagerando do álcool. Vivia um ostracismo artístico insuportável, o que agravava seu quadro auto destrutivo. O quarto disco que gravava na época, mais uma tentativa de colocar a carreira nos eixos, ficou incompleto e só seria lançado décadas depois – batizado de Cruel (Saravá Discos) – por conta do esforço de Zeca Baleiro.

Deixando um baú de canções inéditas, o compositor se mantém vivo através de quem canta suas canções. E essa lista de intérpretes cresce todo dia. Tido como maldito, anticomercial e brigão, também seria ele quem diria na canção Cada lugar na sua coisa aquilo que pensa todo artista: “Um livro de poesia na gaveta não adianta nada. Lugar de poesia na calçada. Lugar de quadro é na exposição. Lugar de música é no rádio”.

 

Faixas
1. Até outro dia (Sérgio Sampaio)
2. Que loucura (Sérgio Sampaio)
3. Cada lugar na sua coisa (Sérgio Sampaio)
4. Cabras pastando (Sérgio Sampaio)
5. Velho bode (Sérgio Natureza/ Sérgio Sampaio)
6. O que pintá, pintô (Raul Sampaio)
7. A luz e a semente (Sérgio Sampaio)
8. Quanto mais (Sérgio Sampaio)
9. Tem que acontecer (Sérgio Sampaio)
10. Quatro paredes (Eduardo Marques)
11. O filho do ovo (Sérgio Sampaio)
12. Velho bandido (Sérgio Sampaio)

> Cada lugar na sua coisa (Sérgio Sampaio) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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