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Carioca de Nilópolis, Lincoln Olivetti era um ser onipresente no meio musical brasileiro dos anos 1980. Compositor, arranjador, músico e produtor, ele figurou de várias formas em dezenas e dezenas de discos daquela época. Tim Maia, Zizi Possi, Roberto Carlos, Fagner, Wando, Gal Costa e Gilberto Gil são só alguns dos que recorreram aos serviços desse músico, que hoje conta 59 anos. Parceiro do guitarrista Robson Jorge, ele foi responsável por uma sonoridade que marcou época para mal e para bem. Cheios de camas de teclados e sintetizadores, seus trabalhos eram tidos como esmerados e garantias de sucesso. Por outro lado, ganharam fama de demasiado radiofônicos e pasteurizados.

“Ele é o nosso Quincy Jones”, sai Ed Motta em defesa de Lincoln. Para este carioca de 41 anos, o arranjador foi sua grande inspiração na hora de montar seu recente AOR (lê-se “êi ôu ar”). O título do 13º trabalho de Ed remete à sigla criada nos anos 1970 por DJs americanos para se referir a um tipo de som que prima pela excelência da música, do arranjo à gravação. Tudo tinha que soar perfeito para ser taxado de “Adult Oriented Rock” ou “Album Oriented Rock”, algo como, em tradução livre, “álbum de rock orientado” ou “rock orientado para adultos”.

No release escrito pelo próprio Ed Motta para apresentar o disco, a lista de músicos que se dedicaram ao AOR vai de Earth, Wind & Fire ao Biafra. E nesse bolo, estaria num trono dourado Lincoln Olivetti. “Ele é uma super inspiração. Meu bem meu mal, da Gal Costa, é um grande arranjo. Eu me arrependo é de não ter dedicado meu disco a ele. O disco dele com o Robson Jorge mudou a minha vida”, revela o artista que até mantém um perfil no facebook somente para fãs do estilo AOR.

Para Ed Motta, um ourives dos estúdios, com fama de perfeccionista, essa busca por um som perfeito, um timbre ideal, a nota exata já faz da sua história desde o começo. Por isso mesmo, o disco AOR remete o ouvinte ao excelente Entre e Ouça (1992), seu segundo trabalho em carreira solo. “Na verdade, ele (AOR) é o que eu queria ter feito em Entre e Ouça, mas eu não sabia fazer o que estou fazendo agora. Não era nem a questão da idade. Eu não tinha técnica suficiente. Musicalmente, eu sabia muito menos música”, avalia.

Ainda assim, ele compensava as limitações colecionando equipamentos diferentes, vintages. “Até hoje, uso muito equipamento que foi usado no Entre e Ouça. (A faixa) Episódio usa um teclado dos anos 1960 que hoje custaria R$ 5 mil. Na época era uns 50 cruzados para comprar na ‘perifa’ do Rio. Fui comprar numa comunidade. Nos 1990, eles (equipamentos) não eram valorizados”, lembra.

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Mais que Entre e Ouça, AOR também traz elementos de outros discos de Ed. Traz o acento pop de sua época de maior popularidade, quando gravou Fora da lei e Colombina. Isso mesclado com experimentações jazzísticas embebidas em soul e funk, usadas em Dwitza (2002) e Poptical (2003). Velhos parceiros, como Chico Amaral e Rita Lee, retornam, respectivamente, nas faixas Flores da vida real e S.O.S amor. A esposa Edna Lopes, que ajudou a moldar o disco Piquenique (2009), comparece em outras três faixas. Adriana Calcanhotto entra para a lista de letristas, na belíssima Ondas sonoras, assim como músico argentino Daniel Spinetta, na pálida Latido.

Linear e palatável, o grande segredo de AOR está nas entrelinhas. Ao longo de cerca de um ano, Ed Motta se debruçou sobre as faixas com um cuidado cirúrgico. Cada uma consumia em torno de uma semana de trabalho, quando, normalmente, faz-se isso em algumas horas. “O que tem de trabalho em cima de cada faixa é uma coisa meio rara. Esse tipo de trabalho não aparece muito no Brasil. Essa parte técnica é deixada um pouco de lado. Isso é uma coisa meio americana. Não é frieza, é mais polimento”, encerra.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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