Para comemorar os 10 anos das Páginas Azuis, espaço nobre publicado no Jornal O POVO com entrevistas exclusivas, o Blog DISCOGRAFIA relembra entrevista com o compositor Rodger Rogério publicada em fevereiro deste ano. Falando sobre sua vida de música, academia e timidez, o artista percorre os 40 anos que sucederam o lançamento de Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem, disco fundamental da geração setentista de músicos cearenses. Acompanhe, a seguir, a íntegra desse bate-papo:

Fotos: Igor de Melo

Fotos: Igor de Melo

O que faz de um artista um ídolo? Seria uma vida de muitos sucessos e popularidade? Ou logo num primeiro trabalho é possível alguém inscrever seu próprio nome na galeria dos imortais? Se esta segunda proposta estiver correta, existem muito motivos para se admirar Rodger Rogério. Isso por que, há exatos 40 anos, junto com Ednardo e Teti, ele gravaria o antológico Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem. Popularizado como Pessoal do Ceará, o disco foi o marco de uma geração de compositores e cantores cearenses que, até hoje, funciona como um farol para os mais novos.

No entanto, longe de sonhar com o sucesso, as luzes e o assédio das estrelas da música, Rodger preferiu uma vida discreta, mesmo que não perdesse a arte de vista. Pra ser verdadeiro, foi o estudo da Física que levou o cantor e compositor a viajar pelo Brasil nas décadas de 1960 e 70. E, fosse em Brasília, Rio de Janeiro ou em São Paulo, novos encontros, velhos amigos e o talento de sempre faziam surgir canções marcantes como Retrato Marrom, Falando da vida ou Ponta do lápis.

Num entanto, uma timidez implacável insistia em lhe puxar o tapete sempre que algum convite mais assanhado lhe chegava. E foi por isso que o compositor chegou a fugir de nomes nobres como Elis Regina (1945 – 1982), Nara Leão (1942 – 1989) ou Roberto Carlos. É, o Rei chegou ao portão de Rodger Rogério, mas não levou nenhuma música. Hoje, o cearense não nega que se arrepende e lamenta tamanha timidez. Por sorte, seu legado musical o redime e novos artistas e ouvintes já têm a oportunidade de vê-lo orgulhoso da própria voz. A voz que, a seguir, conta a própria história.

O POVO – Queria que você começasse lembrando seus primeiros contatos com a arte.

Rodger Rogério – a primeira arte que me tocou foi a música mesmo. Eu me lembro de querer me alfabetizar logo pra ler letra de música. Para acompanhar cantor cantando e tentar ler na mesma velocidade. Então eu sempre muito ligado em música.

IMG_3648OP – Isso com que idade?

Rodger – Não sei, acho que uns seis anos. Foi logo que eu entrei na escola. Sempre foi música. Cinema é interessante por que eu também me ligava desde criança, mas jamais pensei em ser ator. Nem pensei em ser cantor, músico. Nunca tive esse sonho de me tornar um profissional da música. Mas acabei me tornando ainda cedo. Adolescente entrei pruma banda onde eu tocava baixo. Tinha que ser um instrumento onde eu pudesse me esconder atrás.

OP – Era um baixo acústico.

Rodger – Não tinha o elétrico nessa época. O violão tinha elétrico, mas o baixo não. E era uma banda que tocava tudo, uma banda de baile. Agora, eu fui me interessar por aprender o violão com a Bossa Nova. A Bossa Nova parecia uma coisa estranha demais. Hoje em dia as pessoas não têm mais o impacto que a gente teve, por que, até então, as harmonias, principalmente as harmonias, eram muito diferentes. Era uma coisa muito estranha. Eu ouvi aquele negócio, fiquei encantado e resolvi tentar aprender.

OP – Também o Chega de Saudade que lhe impressionou nesse começo?

Rodger – Também foi com um disco do João Gilberto. Foi uma loucura mesmo. E eu tive a sorte dos amigos, minha turma do bairro, todo mundo ficou apaixonado por esse negócio. A gente se cotizava pra comprar disco, por que disco era caro.

OP – Em que bairro você morava nessa época?

Rodger – Era o Damas, né? Na Avenida João Pessoa. E eu frequentava muito o Jardim América, por causa do Cine América. A gente ia pro cinema todo dia, não tinha televisão na época. E ia pra pracinha do Jardim América e ia pra Gentilândia, por causa do Estádio de Futebol. Também comecei a jogar futebol e a brincadeira de menino era música e futebol.

OP – Antes da Bossa Nova, você lembra qual é sua primeira memória musical?

Rodger – Era o meu pai e minha cantando basicamente, eu acho. Meu pai cantava muito Orlando Silva. Tem música que aprendi que eu não sei como. Acho que foi de ver minha mãe cantar. Música do Lauro Maia, do Luiz Assunção, por exemplo. Música dessa turma que tocava no rádio. Eu também ia a muitos programas de auditório, tanto na Ceará Rádio Clube quanto da Rádio Iracema. Era mais frequente na Ceará Rádio Clube, por que vinham muitos artistas. Isso criança. Na adolescência era mais cinema e música.

OP – E em termos de profissão, o que lhe chegou primeiro: a música ou a física?

Rodger – Rapaz, a minha intenção era ser violonista. Sempre gostei muito de estudar. E a matemática me pegou. Eu gostava de matemática. Tanto que, quando eu entrei no segundo grau, o pessoal me dizia: “física vai ser fácil por que você gosta de matemática”. E eu vi que não era assim, não bastava saber matemática para automaticamente saber física. Minha faixa de idade era pra matemática, não pra física. Eu fiz física por curiosidade mesmo. Eu queria entender aquele negócio, que me pareceu muito complicado. Interessante que, no ano que eu entrei pra universidade, eu tirei minha carteira da Ordem do Músicos. Eu já tocava, mas quando chega o fim do ano e o começo do ano, o Carnaval principalmente, a Ordem dava em cima.

IMG_3721OP – E quando nascem em você as primeiras composições?

Rodger – Logo eu vi que pra eu ser violonista não daria tempo. Ou eu estudava violão ou Física. Eu lembro que tinha o Cirino, que também tocava violão, e a gente era mais ou menos do mesmo nível. Quando eu o vi evoluindo, passando de mim, vi que tinha condição de acompanhar. Eu não tinha tempo. Eu queria estudar Física. Aí eu vi que tinha facilidade pra compor. Comecei e no início não mostrava pra ninguém. Depois eu passei a mostrar umas músicas e no meio eu botava uma minha. Como ninguém reclamou, tá passando (risos).

OP – Dessas primeiras composições, alguma coisa ficou ou você foi deixando?

Rodger – Não, eu fui deixando. Eu lembro de algumas, mas só de curiosidade. Mas só tenho registro na memória.

OP – E o que eram essas primeiras composições?

Rodger – Era Bossa Nova. Eu era aprendiz de Tom Jobim. Louco por Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra também. Eu adorava a música desse pessoal. Era nessa linha. E era interessante por que eu só tocava samba, e nesse estilo. Eu não conseguia fazer outra coisa. Isso me perturbou um pouco. “Rapaz, eu não sei fazer outra coisa?!” (risos). Eu ficava tentando, tentando, até que um dia eu fiz uma valsa e fiquei numa alegria danada. Depois eu descobri que minha valsa era um plágio de um choro.

OP – Nessa época de universidade e música, você já tem por volta de 20 anos. Como acontece o encontro com a turma que depois formaria o Pessoal do Ceará?

Rodger – Era época de grêmio estudantil, o pessoal descobre que eu bato um violão, tinha reunião ali pelo Benfica. Eu ficava tocando, fazendo serenata. Aí foi quando eu recebi uma bolsa e tive que deixar de tocar profissionalmente. Fiquei tocando violão só com a turma e larguei o baixo. E fui conhecendo as pessoas. Na Arquitetura era bom por que tinha uma discoteca enorme e um som bom.

OP – O que vocês ouviam?

Rodger – A música era, basicamente, Bossa Nova, Jazz e, depois, os Beatles. E a gente ouvia muito, muito, muito. Era uma coisa de louco como se ouvia música. E a gente precisava ouvir muito também por que a informação era pouca. Hoje, quando eu vejo, você baixa uma coisa na internet e vem com a cifra, a letra, tudo pronto. Na época, era tudo no ouvido. Uma dificuldade pra aprender, mas fez bem por que a gente se desenvolveu muito.

OP – E, nesse meio, você foi conhecendo as pessoas.

Rodger – Basicamente, foi. O Augusto (Pontes), o Fausto (Nilo), o (José Soares) Brandão, Francis Vale. Foi tudo ali no CEU, como chamava o Clube dos Estudantes Universitários. Depois a gente começou a tomar umas, passou a frequentar o Bar do Anísio, que era longe da Cidade, na Beira Mar. Lá a gente tocava violão, mostrava música uns pros outros. O Petrúcio (Maia) eu também conheci nessa época. Inclusive, participamos de um grupo juntos, chamado Cactus, com música, poesia e tal. Foi aí que eu comecei a mostrar minhas músicas. Mas assim, sem dizer que era minha.

OP – Mas você compunha sem pensar em gravar?

Rodger – Não, não pensava. O mercado de música não existia pra mim. Essa história de ir pro Rio de Janeiro, pra São Paulo, só foi depois. Teve a história dos festivais, né? E alguns foram importantes pra nós, como o da Rádio Assunção, em 1968, que o Aderbal Filho promoveu e que agregou mais gente. Foi nele que nós conhecemos o Fagner. Como ele era um pouco mais novo, a gente saía à noite e ele não saía. No ano seguinte, teve o Festival Nordestino da Rede Tupi, que tinha eliminatórias em Fortaleza, Recife e Salvador. Eu me inscrevi e minha música tirou o segundo lugar.

OP – Qual era a música?

Rodger – O “Bye Bye Baião”, que teve letra do Dedé Evangelista, que foi meu professor na Física. A música foi segundo lugar, mas foi a mais tocada, a que mais chamou atenção. Por que o primeiro lugar foi uma música de Recife de um pai que escreveu para uma filha que era cega. Era uma música triste. E a minha era totalmente pra cima. Então ganhou a que tinha que ganhar, por que era uma música muito cheia de sentimento. Mas o “Bye bye baião” tinha que ser a mais conhecida. Isso foi importante por que o pessoal da televisão aqui ficou muito animado em fazer um programa de música. Eles viram que aqui tinha música. A gente chegou a fazer curso de TV pra aprender a se mexer em estúdio.  E era umas 20 pessoas, eu, Petrúcio, Cirino. Era uma festa. Terminava a gravação ia todo mundo pro Anísio.

IMG_3756OP – Nessa época você já conhecia o Ednardo?

Rodger – Não, conheci o Ednardo no segundo Festival da Tupi. O augusto foi quem disse “rapaz, tem um cara ali que canta bem, com música (em tom empolgado)”. A gente procurou por ele, pra conhece-lo. E assim foi o caldo, ouvir muita música na arquitetura, conversar sobre arte de uma maneira geral, o Augusto Pontes também era muito ligado em teatro.

OP – O Augusto Pontes funcionou como uma antena para essa geração, não é isso?

Rodger – O Augusto foi muito responsável pela agregação. Ele juntou. Ele fazia questão que a turma estivesse junta.

OP – Queria que você lembrasse a época em que muitos dessa turma saíram de Fortaleza.

Rodger – Eu terminei meu curso de Física em São Paulo, na USP. A UFC fez um convênio com a USP e nós terminamos o curso lá. E teve um professor que levou um monte de aluno pra Brasília. Eu fui um dos que ele levou, e o Dedé Evangelista também. Nessa época, o Fausto, o Augusto também foram para Brasília. O Fagner também foi pra fazer o vestibular lá, mas ele queria era chegar no Rio de Janeiro. Logo quando ele entrou na universidade, teve um Festival Universitário e as três músicas que ele inscreveu emplacaram. Enquanto isso, o Belchior ganhou o festival universitário no Rio. Aí assanhou todo mundo. Vimos que a música chegou no Rio. O Belchior foi um pouco esse estopim. E quando eu terminei o mestrado em Brasília, fiquei sem saber pra onde ir. Fui pra São Paulo e me hospedei na casa do Belchior.

OP – E, à medida que a Física lhe levava, você continuava a compor.

Rodger – Compunha sim. Lá em São Paulo nós também participamos de um programa na TV Cultura que foi muito importante. Era um programa de entrevistas. E a sistemática era a seguinte: a gente conversava com o entrevistado durante horas e, depois, o produtor mandava o roteiro dizendo onde ele queria música. Era música pra uma pergunta, música comentando resposta. Quem fazia era eu, Ednardo, o Belchior e a Teti. Teve alguns foras, mas quase sempre dava certo. Um dos foras foi com o Aldemir Martins. O Ednardo tinha feito “Ingazeiras”, mas era Guaiúba, por que a gente tinha entendido que ele nasceu em Guaiúba. Na hora de gravar o programa ele disse “não, rapaz, eu nasci em Ingazeiras”. Aí fomos trocar Guaiúba por Ingazeiras e achamos estranhíssimo. Outro fora foi no programa do Paulo Vanzolini, por que a gente entendeu que ele disse que a Amazônia era o pulmão do mundo. Nós fizemos uma música e, quando cantamos, ele disse “Opa! Eu não disse isso”. Mas com esse programa a gente começou a ficar conhecido e começaram a chamar a gente de “pessoal do Ceará”. Como a gente chamava todo mundo de pessoal, passaram a nos chamar de “pessoal do ceará”.

OP – E como nasce, no meio dessa turma, o primeiro disco?

Rodger – Um dos entrevistados desse programa foi o Walter Silva, que era produtor de discos aposentado. Mas ele se encantou com a nossa música. No dia da entrevista dele, a gente chegou na casa dele tipo oito horas da noite e saímos de lá de manhã. Ele queria fazer um disco com todo mundo. Mas, como o Belchior já estava meio encaminhado pra fazer um disco sozinho, o Fagner também, acabou ficando nós três. Depois de muita briga, a gente conseguiu lançar o Pessoal do Ceará aqui, antes do Carnaval.

OP – Esse primeiro disco, Meu corpo, minha embalagem todo gasto na viagem, pra gente hoje é um clássico da música cearense. Esse ano, ele completa 40 anos. Como você avalia esse disco hoje?

Rodger – Eu gosto do disco. Eu não gosto muito das minhas intervenções de cantor. Na época eu não era cantor e nem gostava de ser. Eu cantava à força. Todo mundo forçava e eu dizia “basta a Teti”. Essa história de eu virar cantor foi depois dos 40 anos, quando eu fiz um curso de teatro e meu primeiro personagem foi um cantor lírico. Aí eu descobri que tinha voz.

OP – Mas você também vê esse disco como um clássico?

Rodger – Não se um clássico, mas, como foi o primeiro, é um pouco emblemático. E a geração da gente ganhou mesmo. Essa música “Terral” tocou no Brasil todo. E o fato de agente não ser um grupo de músicos atrapalhou um pouco a carreira do disco. Lembro que a gente chegava numa rádio, o Ednardo começava a cantar “Terral” e o pessoal ficava “cantem juntos” olhando pra gente. Éramos compositores independentes, mas as pessoas queriam o Pessoal do Ceará. Mas o disco eu gosto. A Teti tava num momento que cantava muito bem, o Ednardo também, bem afinadinho.

OP – Dois anos depois do Pessoal do Ceará, você lançou o Chão Sagrado, com a Teti. Qual é a história desse disco?

Rodger – A escolha das músicas era mais ou menos o que nos estávamos cantando naquela época. O Walter Silva deixava a gente bem à vontade para escolher o repertório. Ele confiava na música, no talento da gente. Agora, o Chão Sagrado achei mal mixado, equalizado. A Teti ouve o disco e diz que a voz dela ta muito gasguita. É um disco bom também, mas tem esse defeito. Depois que o Ednardo gravou sozinho, a ideia da RCA era que eu e a Teti fossemos uma dupla mesmo, como tinha, na época, o Marvin Gaye e a Diana Ross, outra na Itália. Mas quem acabou ficando com esse posto aí foi Jane e Herondy.

OP – Embora a produção não seja grande, sua geração fez discos que se tornaram antológicos local e nacionalmente. No entanto, boa parte destes discos está fora de catálogo. Isso lhe incomoda?

Rodger – (pensando) Olha, não…. O Ceará não curte tanto seus artistas quanto outros lugares curtem. Eu não tenho nenhuma reclamação a fazer. Acho até que sou festejado demais, por conta de que eu não procuro, não fiz uma carreira mesmo. Eu voltei pra Fortaleza com o pessoal da reitoria me pressionando, dizendo que ia haver uma reclassificação e eu ia ganhar uma bolada. Eu vim, não teve a reclassificação, não teve a bolada. Mas eu não quis mais ir embora. A vida aqui é melhor.

IMG_3707OP – Quanto tempo você passou fora?

Rodger – Ao todo, foram seis anos. Mas o primeiro foi estudando, não tinha nada de música. Aliás, tinha, mas eu fugia muito. A Nara Leão quis me conhecer e marcaram uma reunião na casa dela. Eu fui e voltei da porta. Não tive coragem de entrar. Era uma timidez muito grande.

 

> Rodger mora num décimo quarto andar de frente para o Mucuripe, com uma bela visão de Fortaleza.

> Na gravação desta entrevista, é possível ouvir o som dos passarinhos que Rodger cria na varanda de casa.

 

OP – Em algum momento você pensou em largar a Física para viver de música?

Rodger – Teve um momento, quando a gente gravou o primeiro. A gente começou a ser muito requisitado e eu sofri uma certa pressão na USP. Em 1972 eu fui pra dar aula lá. Havia uma queixa por que um professor da universidade não deveria estar se expondo daquele jeito. Os alunos achavam uma maravilha. A gente começou a fazer programa semanal na Record e isso incomodava o pessoal.

OP – A música lhe deu muito dinheiro?

Rodger – Pra mim não. Agora, os meninos ganharam. O Fagner ficou rico, o Belchior ficou rico, o Ednardo ficou quase rico. Eu passei mais de 10 anos sem receber um tostão de direitos autoral. Quando eu fui ver, já tinha sido desfiliado. Acabei de me filiar de novo à UBC (União Brasileira dos Compositores).

OP – É verdade que você já perdeu uma bolsa por que estava tocando?

Rodger – É verdade. Como eu ganhei uma bolsa, não podia ter emprego, fiquei tocando só na Boate do San Pedro Roof. E deixei de tocar profissionalmente, mas fiquei só no sábado por que era a minha brincadeira. Aí foi um foi um grupo de professores lá na boate e acenderam o refletor bem em mim e eu pensei “pronto, ta agradando”. Os caras tinham pedido pra acender pra ver se era eu mesmo. Quando eu cheguei na segunda-feira tinham tirado minha bolsa.

OP – Curiosamente, mesmo sendo um nome referencial da nossa música, você só foi gravar um disco solo em 2003…

Rodger – Pois é, e eu ainda não era cantor (risos).

OP – Por que essa demora toda? Tem a ver com a o fato de você não gostar de se ouvir cantando?

Rodger – Tem sim. Nesses dias que eu já estava me metendo a cantar, já não ia com tanta dificuldade, mas não me via cantor. Mas tinha algumas músicas que eu achava que cantava bem. Esse disco foi gravado ao vivo, não teve ensaio. Foi uma loucura. O Mingo (Araújo) não conhecia nenhuma música. Eu o conheci no dia (da gravação). Ele tava aqui sem fazer nada e foi. Mas o Manassés e o Aroldo (Araújo, baixo) são meus amigos de longa data. Quem escolheu as músicas, basicamente, foi o Manassés, que pegou as que ele conhecia mais. Foi o Ivan Ferraro quem me convidou. Nós tocamos todas as músicas duas vezes, mas a décima não deu, por que tava todo mundo meio cansado.

IMG_3667OP – E esse disco tem uma música que foi feita em inglês.

Rodger – Pois é, não sei por que eu fiz em inglês. Eu não sou letrista. Música, você pode me encomendar por que as ideias estão aqui. Eu vou só arrumar as ideias. Eu posso trabalhar, posso demorar, dependendo da história. Mas letra não. Tem que chegar pronta por que eu não tenho paciência pra ficar trabalhando. Eu compus letras, mas poucas. E essa veio em inglês.

OP – E na época desse disco, você chegou a comentar que tinha projetos pra outros. Por onde andam esses projetos?

Rodger – Estão esperando alguém que me carregue (risos).

OP – Sei que além da música, outra paixão sua é a atuação. Como foi essa descoberta do ator?

Rodger – Pois então, eu queria escrever. Eu já estava escrevendo uns programetes de três minutos pra Rádio Universitária chamado Anotações do Professor. Falava muito de Física trazendo pro cotidiano. Estava tomando gosto, mas só escrevia Física. Então, eu tava corrigindo provas em casa quando ouvi que estava havendo seleção pro curso de arte dramática. Me inscrevi e passei na seleção. Primeiro eu comecei a gostar de viver a experiência de ser outra pessoa. Aí eu não tinha aquela timidez, já que era outra pessoa. E, na primeira peça que fizemos, me deram um papel (de cantor) lírico. E foi aí que eu descobri que tinha voz potente, que precisava só educar um pouco.

OP – E o cinema?

Rodger – Ah! O cinema é uma delícia. Adorei fazer cinema. Foram muitas experiências. Eu contei até 30, entre curtas e longas. Tem muito curta. Sempre cobrei cachê, mas não dá pra viver disso. E teve uma carga muito importante na minha vida. Se eu soubesse tinha feito esse negócio antes. Fiz com 45 anos de idade, hoje eu to com 69.

OP – E as composições? Você continua produzindo música?

Rodger – (pensando) Continuo. Poucas canções. Hoje faço mais por exercício mesmo. A Wânia é que, às vezes, passa e diz “que bonito. Você deveria gravar”. Mas eu registro muito pouco. Eu aprendi a escrever na partitura, mas tenho preguiça. Quando eu escrevo, eu gosto. Mas preciso estar com muita vontade.

OP – Tem alguns nomes que são referência para a sua música e eu queria que você falasse um pouco sobre o seu contato com eles. Pra começar, o Augusto Pontes.

Rodger – O Augusto foi, talvez, o mais importante pra nós todos. Primeiro que ele acreditou na música. (Citando) “Essa música de vocês tem chance. É muito melhor do que muita coisa que está por aí”. Ele dava muita corda. Incentivava muito mesmo. E a história de se juntar, fazer coisas coletivas. Isso também a gente deve muito a ele.

IMG_3688OP – O Fagner.

Rodger – O Fagner foi depois e fez um sucesso enorme. Isso marca todo mundo. Mas o Petrúcio foi mais próximo. Ele tava sempre junto, mostrando música. Nunca fiz música com o Petrúcio, mas estávamos sempre junto e mostrando o que cada um fazia. Também não compus com o Fagner, mas ele gravou coisa minha.

OP – O Belchior.

Rodger – Nós fizemos algumas coisas juntos, principalmente nesses programas. Sempre que a gente se encontra é uma festa enorme. É um amigo. Eles não se dão muito bem não, mas eu me dou bem com todos eles (risos).

OP – Teti.

Rodger – A gente foi casado até não dá mais. Ficamos 17 anos casados. Tivemos três filhos. Eu adorava ouvir a Teti cantando. Era a primeira pessoa a quem eu mostrava música.

OP – Ney Matogrosso.

Rodger – O Ney eu conheci pouco. Só nessa época do programa da Record. Depois ele ficou amigo do Fagner e acabou gravando coisa minha, que ele conheceu através do Fagner. Ele inclusive reclamou com o Fausto que ele vem a Fortaleza e eu não o procuro. Mas era timidez. Talvez se ele chegar agora eu o procure.

 

> Ao fim da entrevista, enquanto tomávamos café com pão de queijo, o assunto mais falado foi música e timidez.

> Embora ainda não conheça, Rodger comentou que tem ouvido muitos elogios ao novo disco de Amelinha, Janelas do Brasil. “Dizem que ela está cantando divinamente bem”, comentou.

 

IMG_3637OP – Essa timidez já lhe atrapalhou muito, não foi?

Rodger – Rapaz, atrapalhou. O Roberto Carlos uma vez marcou uma reunião comigo por que ele queria gravar duas músicas que ele tinha ouvido falar. Era “Barco de Cristal” e “Daniela”, que eu fiz pra minha filha. Eu não fui. O pessoal só faltou dar em mim. Essa do Roberto Carlos foi fogo. Ele marcou num horário em que eu estava me apresentando numa casa em São Paulo e eu resolvi cumprir minha obrigação. Mas na realidade eu não fui foi por timidez mesmo.

OP – Você se arrepende de ter deixado passar essas oportunidades com o Roberto, a Nara…

Rodger – Me arrependo, me arrependo. A Elis Regina também me procurou. Pra eu ir na casa dela foi um problema. E quando eu fui ela já tinha fechado o repertório daquele disco que ela gravou duas músicas do Belchior (Falso brilhante). Ela morava pertinho da minha casa e queria ouvir o que eu tinha. Eu fui com o Clodo e a Teti, e ela recebeu a gente muito bem. Nem levei o violão.

OP – Você se considera uma referência para essa nova geração?

Rodger – Rapaz, estão querendo dizer isso (risos). Mas eu tenho tão pouca coisa gravada. Minha obra é bem maior do que ganhou acesso à pessoas. É muito pouco o que eu apresentei. O Fagner, o Belchior, o Ednardo, esses sim é que são grandes referências. Eu menos.

OP – Mas hoje você é mais cantor, ator ou professor?

Rodger – Hoje eu sou mais cantor.

Pergunta do leitor:

Soledad Brandão (cantora e atriz) – Você acompanha a música que se faz atualmente no Ceará?

Rodger – Acompanho um pouco e me animo muito. Conheço muita gente boa. Primeiro os músicos, por que, naquela época, eram pouco músicos. Tinha músico de baile, mas eram poucos que topavam. Hoje, não. Entre os compositores, tem muitos músicos muito bons. A história do curso da UECE e agora o da federal, deu um impulso muito positivo na música do Ceará.

Soledad – Você enxerga que a música autoral que se faz hoje no Ceará pode chegar ao patamar da sua geração?

Rodger – Pode. Em matéria de qualidade, pode sim. Os meios é que estão diferentes. Se de certa forma facilitou a chegada ao disco, a distribuição do disco, da música, está muito complicada. Não sei como é. Ta fora de controle. Achei bom por que acabou com a farra das gravadoras, que era quem resolvia tudo. Mas a gente perdeu a máquina de distribuição. Mas em termos de qualidade, existe gente boa.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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